SURPRESAS DO VENTO
Lady Lazarus
 
 

Os dias seguiam como dantes. A rotina cumpria seu destino e tudo, apesar da aparência física das coisas ter mudado, continuava o mesmo. O cheiro do lugar parecia diferente e as paredes ainda abrigavam os vestígios das portas que um dia foram. Ah... Aquelas portas...

Segui pelos mesmos caminhos. A cada passo sentia meu gradual desertar da multidão. Alguém me viu e chamou. Mas passo longe, ensimesmada e com ouvidos moucos continuo a andar para meu lugar. A conversa dos outros me enfastia.

O vento parecia chamar-me àquele mesmo recolhimento. A necessidade de abstenção do mundo continuava. Mas não consigo dele separar-me totalmente - sempre tem que haver um fiozinho, uma brecha ou fenda para que eu possa percebê-lo e na distância olhá-lo melhor.

Sentei-me à prostração da espera de meus pensamentos, meu outro simétrico. Uma espera que adoro ter e que quando não a tenho espero por tê-la. Enquanto isso o vento continuava a soprar-me no ouvido, como numa cantiga de acalento. E ele vem. O aviso. Um recado que me chama e que como resposta ofereço: estou livre como o vento - assim disse, num sussurro.

E novamente estava eu entregue à profecia do vento. Hermes me conduziria, devolvendo-me às mãos que me fariam tremer. Nada eu pude fazer, senão sentir, sentir e sentir. Senti tanto que meu corpo definhou, restando-me somente a alma. Mas minh'alma não convenceu, não satisfez, não realizou. Frustrou o vento em sua procura insana e desatou-nos em desalinho. Risos, que na verdade eram prantos, brotaram de minha face. Busquei respostas, ouvi verdades, entrei em desatino.

"Herr Deus! Herr Lúcifer! Herr inimigo!" Golpe baixo deixar-me ser seduzida pelo vento. Ele trouxe as teias que me envolveram na cilada do meu sonho. E eu estava lá! Vendo ascensão e queda de meu paraíso onírico. Por que tinha de me trazer a luz? Não queria ver! Meus pés têm que ficar fora do chão! Eles tocam em terrenos pontiagudos, afiados no esmeril da fatalidade.

Depois do turbilhão de emoções, continuamos. Ombros se fizeram de ninhos, mãos brincaram de entrelaçar-se ao vento, numa cruel forma de manter-me sob suas presas aparentemente voláteis.

Surpresas da vida. Surpresas do vento. Descobri que não posso saber os segredos de meus sonhos...

 
 

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