DOIS AMORES
Ly Sabas
 
 

Ah, meu pai,
quanta saudade...
Do marcar o ponto,
do cochilo no sofá,
do desabafo do dia!

(Leci Chaves de Menezes)

Tenho poucas lembranças de minha infância. Não que tenha sido pobre de realizações, eu é que não registrei muitas coisas. Sempre que alguém de minha família quer recordar algo enfatiza logo: "Não pergunte a ela. Duvido que vá se lembrar".

Mas o botão que liga minhas recordações pregou-me dias atrás uma boa peça. Mostrou-me, com nitidez palpável, o início de uma das minhas paixões: o cinema!

O botão girou e lá estava eu, vestidinho branco até as canelas, fita no cabelo, sentadinha no chão do jardim, olhos grudados na tela de lençol, gargalhadas cristalinas invadindo a alma.

Vi também o homem por trás da máquina: Papai. Ele juntava toda a criançada da ruazinha e levava para um mundo mágico de bruxos, dragões e fadas.

Depois, já mais crescida, ia com ele assistir aos filmes de Flash Gordon no "cinema do padre". Pobre, desconfortável, de bancos compridos no salão paroquial, era o máximo para quem aprendeu a amar a sétima arte em lençóis no jardim.

Mais tarde, já com idade para ir a um cinema de verdade, chegou a vez dos filmes de cowboys e meu pai me apresentou John Wayne. Não tenho idéia se minhas irmãs também gostavam ou não, só sei que eu virei a companhia favorita dele. Quando casei e fui morar em Curitiba cada visita dele à minha casa transformava-se numa corrida maluca pelas salas de projeção da cidade. Saíamos de uma e entrávamos em outra logo após um rápido lanche.

Nunca cheguei a uma conclusão sobre que estilo de filme ele preferia. Mas sei que seu ator favorito era Fred Astaire e que, quando era jovem, Bing Crosby era seu modelo de como um homem deveria vestir-se para transformar-se em um perfeito conquistador.

O botão girou, trouxe as lembranças e aumentou a saudade. Mas valeu a pena, através da saudade repensei o meu amor por esse pai que sabia ser companheiro sem se impor.

Ah, pai, aproveito para mandar um recadinho: sua violeta está florindo outra vez. Duas flores roxas bailando como borboletas em meio ao verde.

Lampejos de lembranças
Imagens no lençol
Cinema de jardim.

 
 

fale com a autora