HORAS PARADAS
Edson Campolina

Na véspera do feriado, intimamente Ernesto já reclamava da pausa obrigatória em sua rotina de trabalho. Não disporia de tempo suficiente para uma fuga numa viagem. Sabia também que o ócio e a solidão em seu apartamento numa quarta-feira fria e chuvosa seria de ansiedades. Como de fato seria.

Impaciente, não conseguiu concentrar-se na leitura do jornal; que dizer de livros e da programação matutina da TV. Debruçou-se na janela de seu apartamento e sua visão se perdeu na neblina que cobria a cidade na planície, rompida apenas pelas luzes amarelas das lâmpadas nas portas de algumas casinhas no alto do morro. À sua frente, as árvores com seus galhos negros e lodosos, desfolhados pelos ventos do final de inverno, descaracterizavam a mata densa e vistosa que admirava. Naquela aurora a mata mais parecia um cenário de histórias fantásticas de noites e madrugadas. Até os pássaros que lhe faziam vizinhança foram ocultos pelo silêncio. A solidão evoluiu-se para o abandono.

Sem controle sobre os pensamentos, lembranças de cidades conhecidas e seus habitantes, de amigos distantes e amores antigos, de familiares, de suas partidas, quietaram sua ansiedade com gotas de melancolia. Numa curta análise questionou o sentido que dera à vida, argüindo os tantos encontros que resultaram no auto-abandono que sentia.

Pudera ele, concluiu, parar as horas, apoderar-se do tempo e refazer seus caminhos. Visitaria as cidades percorridas e abraçaria os amigos lá deixados, agradeceria aos amores antigos os momentos de confiança e dedicação. Talvez adiasse algumas partidas ou evitaria alguns destinos. Pudera ele atualizar-se das vidas dos convivas de outrora, voltando àquela manhã fria com alguma resposta à sua esperança cega. Pudera ele retornar consciente de sua presença também na lembrança daqueles convivas. Contentaria-se com a vizinhança dos pássaros então. Talvez resolvesse também o convívio consigo mesmo.

Difícil libertar-se da paixão pelo passado. Colhia o fruto de seu egocentrismo. Um afago eterno pelos seus feitos esquecendo até mesmo de fazer o presente e duvidando do futuro. A nostalgia que vira melancolia e traz o medo do porvir e o desejo de repetir o melhor de seus dias. Uma mania de passado.

Desiludido, Ernesto rendeu-se e deu voz ao coro dos convivas de suas histórias que o aguardavam pacientes nas páginas de suas tramas. Sentou-se ao computador, cumprimentou-os a todos e cuidou de suas vidas.

Ernesto vivia na prisão de um relógio torcendo para que seus ponteiros parassem, distraindo-se de sua falta de destino. O frio daquele dia escuro e chuvoso enrijecia seus dedos e ele o suportava como um autoflagelo por ter deixado as horas vividas simplesmente passarem, malgastando-as. Compreendeu que o ócio pode ser útil para a intimidade que o amedrontava. Melhor mesmo que as horas não parem, girando os ponteiros e os pólos de nossas vidas, trazendo novas cidades e novos convivas, mesmo que sejam os impressos nas páginas brancas da tela de seu computador.

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