AQUARELA DO TEMPO
Guilherme Lima
 
 

Luiz acorda vai pro banheiro faz a barba toma banho enxuga os cabelos sai do banheiro põe a roupa toma café escova os dentes andando sai pro trabalho. Transito buzina farol vermelho estacionamento escadaria elevador bom dia dona Regina. Memorando cheque nota fiscal reunião almoço rua multidão buzina garçom gorjeta café multidão reunião até dona Regina. Farol vermelho transito buzina roupa na sala banheiro chuveiro sabonete toalha na cintura janela binóculo luz acesa no quarto e uma mulher do outro lado da rua. O tempo pára.

Helena aparece enrolada numa pequena toalha amarela, pega um pente no guarda-roupa e senta-se num banquinho de frente para o espelho na parede. O movimento do desembaraçar dos cabelos faz cair a toalha, deixando revelar a nudez das suas costas e a imagem refletida de um seio farto e da cor de uma pétala de rosa. Ela pensou neste momento que maravilhava somente os olhos cegos dos bichinhos de pelúcia, dispersos na cabeceira da sua cama, enquanto do outro lado alguém em silêncio, se deliciava com aquela aquarela, numa quimera de desejos e poesia.

Helena, sentindo-se observada, caminhou até o pouco de janela que permanecia entreaberta, olhou rapidamente tudo em volta e passou a cortina. Na transparência do tecido fino ainda se pôde observar a sombra do sutil movimento daquele corpo feminino, que agora já se cobria por completo, a luz então apagou, o sol se pôs e o tempo voltou ao normal.

 
 

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