EM TARDES COMO AQUELA
R. Elfe
 
 

Lembra da cor do céu inúmero que fritava nossas mentes? Era aquele mesmo céu, que em pastilhas rosas e negras, abria a noite sobre os subúrbios onde rastejávamos. Mas era ainda uma tarde viva àquela época. Eu tinha dezessete anos e mandava às favas todas as histórias sociais e clínicas. Eu era um deus prateado, de asas de barro. Você cantava as modas, desdenhava das vizinhas magrelas, mas a paixão ainda não havia lhe abatido. Éramos os pedantes da escola. Eles estudavam, nós, cinco minutos antes das provas - notas altas, cabelo desalinhado e camiseta arregaçada. Vacilava a vida, eram noites infestadas de estrelas... que calor fazia. Derretia o dorso do corcel mais frio, das entranhas mais alpinas. E corríamos atrás do ônibus. Certa vez ela quis lhe dar um beijo, lembra-se? Você deixou um ar wildiano e cobriu o caminho com seus passos frenéticos. Muitas vezes pensei que tivesse mesmo a certeza de onde estaríamos hoje. Mas agora sei que tanta certeza não passava de amor à vida. E que vida miserável. Claro, nada como pancar de vinho às duas da manhã de uma segunda-feira chuvosa... e os pais das sacadas: - Onde estão os meus filhos? Tudo era celestial, ao menos os infernos que inventávamos nos cadernos. Quando publicaremos? Quando você vai voltar dessa sua viagem imensa? Neruda quis lhe agradecer às sextilhas arredondadas que deixara no fundo da garrafa. Ele me deixou um soneto amargo, amassei e atirei na estrada. Quando voltarás? Quando te deixei, todos voltaram pra casa, menos você. Todos foram ao cinema, lembra? Eu lia Salinger adormecido na varanda. Você estava à dois metros do chão, cavava sua vida cada vez mais funda, cada vez mais morta. Quando vamos passear pelas praias solitárias, que só nós sabemos o precipício? Talvez não mais... ainda aguardo-te. Estive pensando no que corria dentro de você naqueles dias. Era aço fundido? Se pode fundir o aço? Era vinho velho? Benzina? Era nada, eu soube mais tarde. Nosso sangue escorrerá quando passamos as mãos na brisa da eternidade, e deixamos nossas folhas soltas no vento, nossos nervos, meu amigo, em frangalhos.

 
 

fale com o autor