SOB OS PÉS
Carla Deboni
 
 

Brincando de cabra-cega, vou tateando na escuridão do inusitado e tropeço nas pegadas ainda úmidas no jardim. Engraçado o êxtase que o desconhecido provoca no corpo, os imprevistos que a sorte guarda para a sobremesa logo depois do jantar. É como brincar de "par ou ímpar": nunca se sabe quem será vitorioso e as possíveis conseqüências da derrota.

Surpreendo-me com minha habilidade em caminhar sem me apoiar. Não imaginava que o destino seria piedoso a ponto de retirar os obstáculos mais famintos de minhas redondezas. Ou será que minha capacidade de adentrar o negrume é que tem me salvado? Inútil perguntar, engraçado saber.

Mas deixo de me importar com o incômodo sob os pés. Afinal, nada poderá causa dano maior que o corte na perna, logo abaixo do joelho. Aquela ferida, sim, foi feita com meus olhos bem abertos, e não pude evitar. Se meu próprio monitoramento não havia me salvado anteriormente, por que agora me preocupar com a ausência de meus olhares observadores?

Vou me sentar. Assim, não corro riscos, e a inércia me protege de desventuras desencontradas.

 
 

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