MESTRES DA MÚSICA
Carlos Bruni
 
 

Isso foi lá pelos meus onze, doze anos. Fiquei entusiasmado quando meu pai chegou em casa com um acordeão Todeschini, 80 baixos, perguntando se eu gostaria de aprender a tocá-lo.

Criança ainda, pelos padrões da época, leia-se, não tinha capacidade para entender que o que o velho fazia era transferir para mim sua vontade secreta de tocar o instrumento. Fã de carteirinha de Mário Zan e Mário Genari Filho, ele deliciava-se por horas a fio ouvindo bolachões 78 rpm desses artistas.

Isso posto, lá fomos nós para a casa de um velho amigo dele, músico aposentado, que dava aulas do instrumento. Em pouco tempo comecei a ver sentido naquelas bolinhas pretas nas cinco linhas das partituras de aprendiz e mais entusiasmado fiquei.

O professor, "seu" José, tocador de flauta, violão e acordeão, grande pessoa, tirante o hábito de fumar um cigarro atrás do outro, com uma grande paciência foi me passando seus ensinamentos musicais.

Meu velho estava entusiasmado e, mesmo estando eu em estágios iniciais do aprendizado, um belo dia surgiu em casa trazendo uma partitura da Cumparsita. Claro, não era coisa para principiantes e ainda hoje acho que tango deve ser dançado, cantado e tocado apenas por argentinos.

Com perseverança, fui domesticando aquelas claves de sol, de fá, sustenidos e outros sinais e logo comecei a dar forma ao conteúdo daquelas pautas.

Outras partituras vieram mas minha paciência aos poucos foi sendo minada, pois o aprendizado significava menos tempo no jogo de bola na rua. No entanto, o velho gostava e com um pouco de sacrifício fui em frente.

Saudades de Matão, Rapaziada do Brás e, claro, Uma casa portuguesa, foram entrando no meu repertório, ao mesmo tempo que aumentava a vontade do jogo de futebol, cada vez mais racionado.

A surpresa maior estava reservada para o dia em que o ele apareceu com um Scandalli, 120 baixos, dizendo que também iria começar a aprender a tocar o instrumento.

E, de fato, houve bravas tentativas nesse sentido. Mas, ainda que esperançoso, meu pai decididamente não dava para o negócio e sua paciência foi diminuindo na mesma proporção em que sua decepção aumentava. No fim, acabou vendendo seu acordeão e, com o tempo, o meu teve o mesmo destino, pois minha música já não o entusiasmava. Nem a mim.

Fica a constatação que talento para a música não era seu forte. Talvez nem para mim mas, no frigir dos ovos, tive a sorte de voltar ao meu futebolzinho de rua.

 
 

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