VERDADES EM SE VIVER
José Luís Nóbrega
 
 

Como em todo final de tarde, colocou a face defronte a água, e ali, prestes a banhar o rosto com águas cristalinas, ficou imóvel por alguns segundos.

Cansado, mãos calejadas pelo labor no campo, ao ver-se refletido n'água sentiu-se triste ao notar um rosto marcado pelo tempo.

Lembrou-se então que naquelas águas banhara-se quando menino. Lembrou-se ainda, agora com certo prazer, que ali um dia também havia se banhado com sua amada esposa, a qual lhe daria nada mais nada menos que quatro filhos.

Foi então, neste misto de alegria e consternação, que ao molhar o rosto com as mãos surradas pelo tempo, pode sentir a aspereza de sua vida.

E assim, neste ato sublime de esfregar as mãos ao rosto, sentiu que sua vida fora apenas um ir e vir, sem qualquer significado. Fora apenas um ir de casa ao trabalho, e de casa àquele lago, todos os finais de tarde.

Sentia-se mais velho do que aqueles parcos sessenta anos. Analfabeto, dois filhos ainda por criar, tinha medo de perder aquilo que seria uma vidinha fútil.

Molhou mais uma vez o rosto n'água, e novas aflições o acometeram. Trabalhara o dia todo, isso já por mais de cinqüenta anos. Não era mais aquele lutador de outrora, destemido e esperançoso. Era um simples homem, pai de simples filhos, morador de uma simples casa, detentor de uma simples vida.

Lágrimas então desceram por aquele rosto sofrido, e o desespero fez-se ainda maior.

Lembranças do passado reviraram sua mente. Lembranças de uma infância sofrida banhada todos os dias naquelas águas. Lembranças de que começara a trabalhar muito cedo, deixando os estudos para trás. Lembranças de quatro filhos, dois ainda por criar. Lembranças do trabalho quase escravo em que o ganho sobrevinha somente ao patrão. Lembranças do medo de perder a vida.

Começou então a chorar, e ao ver seu rosto envelhecido na água, pôs-se então a pensar: "Se tivesse eu a metade da minha idade; se fosse eu hoje um homem estudado; se não tivesse os filhos que tenho; se morasse na cidade; se não tivesse medo de morrer, talvez fosse mais feliz."

E ao pensar nisso tudo o homem se levantou, passou as mãos pelos cabelos, respirou fundo, olhou para o céu (estava um dia lindo - uma tarde azul), e ao voltar seu rosto em direção ao lago viu sua imagem e percebeu que não mais estava chorando.

Um vazio tomou sua alma, e então passou a se perguntar o que lhe faltara: "Se eu tivesse tudo isso, o que seria da minha vida?"

Havia deixado para trás sua infância, seus sessenta anos de idade, seu analfabetismo, seus quatro filhos, e principalmente, não tinha mais medo de perder aquela vidinha pacata. Concluiu que mesmo pacata e fútil, a vida deveria ser plenamente vivida. Voltou de cabeça erguida e com passos largos para casa, para àquele lago nunca mais voltar...

 
 

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