O CANDIDATO NÃO TEM NADA A DIZER
Luciano Tadeu de Almeida
 
 

- Não tenho nada a dizer. Anote no papel, minha querida auxiliadora.

- O senhor é quem manda, senhor candidato.

- Eu não mando em nada. Ainda não fui eleito.

- Será, senhor candidato. O povo te adora.

- É verdade; o povo me adora; principalmente as mulheres; elas me amam. Como vossa sabedoria, minha querida auxiliadora, sabe?

- Eu não sei; o povo é quem sabe sabendo, senhor candidato. Você é uma revelação no mundo político. O povo não agüenta mais ouvir os candidatos que, através das telas de nossos televisores, assaltam as nossas casas e espalham palavras carregadas de falsidade. Ninguém agüenta mais escutar os candidatos disto ou daquilo tagarelarem no horário político. As pessoas desligam os seus televisores neste momento de fome e ganância política.

- É muito sábia a sua visão, minha querida auxiliadora. É uma verdadeira guerra de porcos.

- Eu, senhor candidato, desligo a televisão. Não agüento ouvir e ver tanta gente engravatada e hipócrita. Meu querido senhor candidato, não agüento mais tanta besteira no horário político.

- A senhora, minha querida auxiliadora, não deveria desligar a televisão. Tem que assistir o horário político; tem que vê-lo do começo ao fim... Como a senhora sabe, eu não tenho tempo para ver este nosso tão agradável horário político. Eu sou uma pessoa muito ocupada com minhas brincadeiras... E como a senhora já sabe, todos os dias depois da novela, que vem antes do horário político, minha adorável mulher me obriga a levá-la para jantar fora. Se você não assistir, auxiliadora do meu coração, quem irá me contar as novidades.

- Não há novidade alguma, senhor candidato. Em um horário político é sempre a mesma coisa: promessas, promessas, promessas e mais promessas.

- A senhora, auxiliadora querida, está equivocada.

- Não estou.

- Está sim, senhora querida do meu coração.

- Não. Eu não estou não.

- Está!

- Está bem. Eu estou enganada. O senhor pode dizer por quê?

- Posso, minha fofinha. Eu fico os meus cinco minutos do horário político parado, com o maior prazer, na frente das câmeras. Eu olho as pessoas que me Assistem; as pessoas que me assistem me olham. Ficamos trocando olhares o tempo todo. Eu não falo nadinha, não prometo nada, não brigo com os meus adversários; eles podem me xingar à vontade. Eu não ligo. Sou um exemplo de político. Não sou querida auxiliadora?

- O senhor candidato é muito convencido.

- Não sou.

- É sim.

- Não sou não!

- Está bem... O senhor não é.

- Eu sou um político puro. Sou bonito também, eu sei; a senhora sabe também... Eu sei que sabe.

- É verdade. Eu acho o senhor um homem muito bonito e gostoso... O homem mais bonito e sábio do mundo.

- Concordo com a senhora. Eu sou o máximo!

- Convencido.

- O que a senhora está querendo dizer com este convencido? A senhora quer me cantar?

- Não. É claro que não, senhor candidato.

- Certo... Se a querida auxiliadora tivesse tentando me cantar, com todo carinho, eu iria dizer que a senhora conseguiu.

- Convencido.

- Muito obrigado. A senhora é muito gentil. Eu te adoro fofa, coisa mais linda do mundo.

- O senhor é um brincalhão.

- A senhora não quer saber por que eu sou o mais sábio homem do mundo?

- Quere sim. Diga.

- Eu sou o mais sábio de todos porque eu não sou anarquista, não sou comunista, não sou parlamentarista, capitalista muito menos... Eu não sou tirano, não sou monarquista... Eu não sou porcaria nenhuma... Eu sou um Zé Ninguém.

- Não seja tão duro com você mesmo. O senhor é um homem maravilhoso.

- Não adianta tentar me cantar agora. A querida auxiliadora é muito esperta. Disfarça. A minha esposa vem vindo...

- E agora?

- Disfarça.

- O que está acontecendo nesta sala, hein senhor Oliveira Madureira?

- Você é cega mulher. Eu caí da cadeira.

- Ai! Me desculpe, querido. Você se machucou?

- Não. Só bati com a testa no chão. A minha sorte foi estar com este capacete; devo a minha vida ao operário que me deu ele de presente. A minha auxiliadora veio me dar uma assistência. Vamos; vocês vão ficar aí paradas me olhando no chão. Ajudem-me a levantar.

- É claro, querido.

- Segura firme, mulher de Deus. Não larga!... Ai!

- O que foi, querido?!

- Liga a televisão. Vamos ver o resultado da eleição. Já passou dois minutos do horário. Vai, liga! Liga logo, mulher de Deus!

- Calma, querido. Pronto.

"O senhor Oliveira Madureira é o novo Presidente da República." - Anuncia o jornal televisado.

- Viva! Eu ganhei. O meu número me deu sorte.

- Qual era o seu número, senhor candidato?

- Era 0000; a senhora não se lembra, auxiliadora?

- Não, senhor candidato.

- O que você vai fazer agora, querido?

- Minha querida esposa, eu não vou fazer nada. Eu não prometi nada.

- Como não vai fazer nada? O povo confiou em você... Você não tem palavra?

- Não... Auxiliadora, eu não disse nada durante a campanha inteira... O povo me escolheu para não fazer nada. Eu não vou fazer nada.

- Querido, vamos comemorar. Você vem com a gente, auxiliadora?

- É claro. Vamos comemorar todos juntos.

- Então vamos os três para as ruas comemorar com o povo que me elegeu.

- Vamos! - Gritou a mulher do novo presidente.

- Presidente eleito, olha!

- Olha o quê? Fala logo, mulher de Deus. Não perca tempo, auxiliadora.

- Noventa por cento das pessoas que te elegeram são mulheres. O senhor não prestou atenção no final do telejornal.

- Cadê a minha esposa?

- Ele está lá na frente, dando entrevista.

- Graças a Deus!... Mulheres! Mulheres!... Graças as mulheres eu sou o novo presidente da república. Vou guardar um dinheirinho para levá-las a um motel... Uma de cada vez. É claro. Eu já não tenho idade para tanto exercício. Tenho que cumprir com as minhas obrigações de marido.

- O senhor é fantástico. É a melhor forma de gratidão que eu já vi na minha vida. O senhor pode começar por mim? Adoraria transar com o senhor.

- É claro, minha querida auxiliadora. Amanhã mesmo eu a levo no melhor motel da cidade. A nação paga as minhas contas, de agora em diante. Fui eleito. Não fui?

- Ai! que legal! Muito obrigado, senhor presidente.

- Não precisa agradecer. Você é uma gata. Eu estou louco para trepar com você.

- Querido! Venha até aqui, por favor, é só um minuto!

- Bom. Deixa eu ir lá ver o que ela quer. Depois nós conversamos, minha querida e fofa auxiliadora.

- Certo, meu gato. Tesão!

Quando o presidente eleito virou as costas para sair, a sua auxiliadora deu-lhe uma boa passada de mão na bunda.

- Estou louca pra ficar a sós contigo, tesão.

- Vai com calma, querida. Vai com calma... Por favor. Nós estamos com a minha esposa.

Depois de dizer estas palavras, ele afastou-se.

A esposa foi que lhe apresentou às leitoras:

- Querido, estas mulheres estão querendo um autógrafo seu. Elas acreditam muito na sua capacidade política.

O novo presidente da república terminou a sua comemoração assim: dando autógrafos.

 
 

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