O BELO DO CAMPUS
Patrícia da Fonseca
 
 

Quando a Soraia decidiu que conquistar o Flavinho seria quase a diferença entre a vida e a morte, seu mundo virou de cabeça para baixo. A começar que ele era "o" lindo do campus. "O" mais gato, "o" mais inteligente, "o" mais popular. Era tal a quantidade de "os" que Soraia, se fosse feita de outro material, teria desistido.

Mas ela não desistiu nem na trigésima vez que se olhou no espelho para conferir sua aparência. Soraia não era e nem nunca seria uma mulher bonita. Talvez, se arrumada, chegasse razoavelmente perto de "bonitinha", e isto com alguma boa vontade. O cabelo não servia nem para crespo e nem para liso, caía sem corte pelos ombros. O corpo era magro, sem peito, nem bunda. Os olhos castanhos, como de quase todo mundo e a boca não oferecia tentação nenhuma. No ano anterior dera um chute no Renato, seu namorado por dois anos e tão sem graça quanto ela. Foi no mesmo dia em que vira Flavinho pela primeira vez no campus da faculdade. Ele, rodeado de meninas bonitas e estilosas. E Soraia ali, de longe, a observa-lo. Sim, para conquista-lo precisaria de alguns atributos. Inteligência já possuía. Mas agora precisaria também de talento. E sorte.

Depois que decidiu que o conquistaria, a idéia virou uma obsessão para ela, prioridade total. Muitas vezes eles se cruzaram pelos corredores da faculdade. De Soraia partiram olhares quentes e sedutores. De Flavio, não partiu nada. Ele nem sabia que ela existia, mas Soraia não se abalou.

Os colegas acharam esquisito no dia em que ela apareceu com os cabelos mais vermelhos. Uma semana após, depois de três horas no salão de beleza, Soraia surgiu de cabelos totalmente lisos, esvoaçantes. E aquela saia curta? Começaram a circular cochichos que ela estaria apaixonada por alguém. Soraia deixou rolar. Se isto chegasse ao ouvidos do Flavinho, ótimo. Mas até o presente momento ele não havia notado a sua transformação. Ao ver seu reflexo no espelho no banheiro da faculdade, Soraia até gostou do que via. Havia algum talento seu naquela transformação. Os cabelos, as roupas, a atitude. Com certeza, ela estava um pouco mais atraente. Mas faltava-lhe sorte. Sorte de poder encontra-lo num lugar a sós, algum lugar público longe do campus. Sorte de um dia Flavinho estar sozinho, longe daquela mulherada que o cercava tão insistentemente. Será que elas eram mais inteligentes que ela, Soraia? Evidente que não. Suas colegas eram tão loiras, tão platinadas, que a amônia que usaram para clarear os cabelos deveriam ter apodrecido o pouco que tinham de neurônios.

A sorte - ou oportunidade - surgiu mais rápido do que Soraia esperava. Um seminário. Todos os alunos reunidos no salão de atos da faculdade. Por sorte, Soraia conseguiu lugar justo à frente dele. Flavio, com mais alguns colegas, ocupavam a fileira de trás, ruidosos, barulhentos, antes de o seminário começar. Ainda sem nenhum plano tático, Soraia achou que a melhor forma de se aproximar seria ao final, quando todos estivessem saindo. Quem sabe ela esbarraria nele, trocariam olhares e depois entraria todo o seu talento em ação. Um papo cabeça sobre o seminário. Pronto, seria assim.

Mas os planos de Soraia se evaporaram em poucos minutos. Era a primeira vez, na sua paixão platônica, que ela ficara tão próxima de Flavinho. Nunca tinha escutado suas conversas e nem sabia de seus interesses. E que interesses. Em dez minutos, Soraia ficou sabendo das suas aventuras sexuais, da gostosa do 3º andar e que surf e praia eram seus objetivos principais na vida. Também em dez minutos, Soraia repensou seus cabelos vermelhos e lisos, suas minissaias recém adquiridas e todo o esforço que fez em tão pouco tempo para conquistar alguém tão imbecil como Flavinho. "O" babaca, "o" boçal, "o" nada-a-ver. Era tal a quantidade de "os", que Soraia abandonou o seminário antes de ele começar. Saiu pelo campus, não decepcionada, mas furiosa consigo mesmo pela perda de tempo investida naquele cretino.

Mas nada estava perdido. Soraia sabia que era primordial manter sua atitude, o cabelo vermelho e liso e as minissaias provocantes. E aquele novo professor, que chegara recentemente de um doutorado na Espanha? Hummm. era de se pensar.

 
 

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