O ANJO
Alice de Sousa Silva
 
 

- Vai Juvelino, se despede que vou te levar agora.

- Mas seu Anjo! Faz isso cum eu não, inda nem conheci a vida, só queria morrer cum 100 ano...

Ajoelhado e chorando ele implorava ao anjo da morte, em pé a sua frente, machadinha nas costas, roupa negra, olhos avermelhados.

-Olha aqui Juvelino, sabe há quantos anos não durmo? Deixa pra lá que também não sei, mas anda , se avexe que não quero perder tempo, sabe quantas pessoas está ao meu encargo hoje? Esquece também não sei, ai que vida...quero dizer..que morte viu!

-Pruquê o sinhô num dorme um bucadim, inquanto eu penso se quero ir ou não...

O Anjo riu, coisa que não fazia há muito tempo, coração bruto, endurecido pelo trabalho de ceifar vidas, encontrava ali naquele fim de tarde um motivo para rir, mas logo voltou ao que era.

- Vamo meu filho, você ta me atrasando, maior trabalho chegar aqui nesse fim de mundo e você fica me enrrolando,acabou o tempo que pediu pra se despedir das suas vacas e seus bichos e até agora nada, para de implorar levanta que tenho de ir pra longe.

- Inton se vá que eu espero tu voltá, juro. Num redo o pé daqui.

O Anjo riu de novo, esse caipira tirava do sério, não sei pra que o SENHOR quer um tipo desses, por mim deixava que ele morresse seco igual essa terra que ele tanto gosta.

- Olha aí, a cobra que vai te morder tá ai no teu pé , se você se mexer ela te pega.

- Que droga jeca, acabei de te salvar, fala sério, tu tem sorte... vixe maria, to falando igual tu, falou tanto no meu ouvido que acabei pegando teu sotaque...

- Se..se...seu an an jo, e a co co bra... num va va vai matar não? Inda num me dispidi da margarida, a vaquinha amiga de mim...

- Chega Juvelino! Porenquanto tu ta salvo, mas eu volto hein? Esteja atento, se não for eu será outro, mas será pior que eu. To pensando aí em me aposentar...esse trabalho endureceu tanto meu coração que parece que ta fazendo efeito contrário, onde já se viu, poupar alguém, jamais me aconteceu isso, se o SENHOR descobre, arrisco perder minha aposentadoria, já pensou viver de bico pra sobreviver? Crendio lêndio...

Juvelino já de pé, ouvia as conjeturas do anjo que falava apenas para si em voz alta.

-Se aperrei não, aqui sempi tem um servicim...querendo vim morá mais eu...assim tu me avisa quando Papai do Céu quisé me levá...

- Agradeço mas prefiro a cidade viu! Mas animada, mas alegre...oh juvelino! Para de falar besteira...agitou os braços no ar como a se livrar dos pensamentos...

-Ara seu anjo, aqui também é animado sô, de manhã tem os canto dos passarim, os berro dos bichos, o canto do galo...

- E o chiado das cobras...me arrepio só de pensar, não não, meu negócio é a cidade...deixe-me ir Juvelino, tenho muito que fazer e já é noite...até mais ver...

-Até nunca mais seu anjo...a menos que se aposente tem neu um amigo e ô...nunca fale pro amigos de tu que eu moro aqui, me isqueci pelo amor de Padim ciço...risca eu do seu cadernim viu? Já se retirando o anjo responde.

- Isso é lá com o SENHOR, ele que pôs seu nome no meu caderno.

- inton se foi, tu risca e diz que eu morri, tem indereço também? Risca, risca tudo seu anjo...

- Adeus Juvelino. E sumiu no vento na escuridão da noite.

- Ainda bem que se foi, imagina, impregá no meu sítio um sujeito traidô desse, mas qui foi difice se fingir amigo dele foi... mas agora tô avisado, vô prepará umas armadia das boa pra pegar o próximo ingraçadim que me aparecê querendo levá eu pra morte.

 
 

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