VIVENDA DE GIRASSÓIS
Eduardo Prearo
 

A desempregada Helen ia pernoitar no asilo dos pobres todo o santo dia. Com cinquenta outonos e já considerada idosa, ela penava para sobreviver. Perdera muito a memória mas não a esperança de ter um dia uma casinha só sua. O odor de dama da noite quase sempre entrava pela janela do dormitório imenso do albergue. Era um odor dotado de poderes sobrenaturais que fazia Helen levitar.

Mal entrou setembro e Helen conseguiu um emprego de doméstica. A ama que a adotou, Alice Pinto Silva, tinha vinte e três anos, sofria de obesidade mórbida e era de família tradicional paulistana. Que sorte Helen, de repente, teve na vida! Feliz, com um adiantamento comprou sapatos de couro. Ganhou três uniformes e também um curso de etiqueta dado por uma parisiense-nordestina. Mas a felicidade de Helen, como sempre, durou pouco...

--- Helen, você precisa ter mais higiene. Os copos estão sendo mal lavados, cheiram a ovo podre. Trate de desinfetá-los como a ensinei. Sabe quantas pessoas queriam estar no seu lugar? Centenas. Vou ser bastante enérgica com você. Bastante, ou não me chamo Alice Pinto Silva.

Helen jamais discutia com ninguém. Não falava nada quando era repreendida, mas ocultava um remoto desejo de vingança. Agora que se sentia um pouco mais digna, animava-se a sair nas folgas de domingo para apreciar flores no parque central, especialmente as do helianto. Pintaria girassóis nas paredes externas da sua sonhada casa. Em um domingo próximo do Natal, Helen resolveu sentar-se em um banco e notou um fato raro: um homem sorria um sorriso comovente para ela. E não era um mendigo nem louco, parecia um homem bem decente, um homem de classe superior. Uma esperançazinha brotou no coração dela, pois tudo estava amargo ao extremo. E uma lágrima caiu no seu vestido vermelho.

 

 

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