BATE CORAÇÃO!
Ivone Carvalho
 
 

Eis-me aqui, pela vez derradeira, sentindo o coração frio, vazio, isolado de sentimentos. Movido por um pulsar automático que tão somente me faz sobreviver.

Coração sofrido, dorido, cansado de se dar, de doar, de se entregar a pessoa errada, a quem não conhece os verdadeiros sentimentos, sentimentos leais; a quem vive de egoísmo, do egocentrismo, da necessidade de se sentir melhor, mais sagaz, mais inteligente, olvidando que, algumas virtudes, se encaradas como imutáveis, irreparáveis, prevalentes em toda e qualquer situação, podem levar a erros crassos, a injustiças, a perdas incomparáveis, irrefutáveis, a situações incabíveis, à falência de lembranças que não mereciam ser olvidadas, mas que o são, em vista da preponderância da prepotência, da ignorância, da ausência de astúcia, de sensibilidade, de sentimentos sinceros e leais.

Coração marcado por lágrimas, por feridas que não conseguem se fechar vez que são cutucadas e têm suas cascas extirpadas a cada vez que tentam secar visando matar todas as decepções, frustrações, enganos, tristezas, infidelidades.

Coração que já não suporta atrevimentos, ousadias, ofensas, injustiças, deslealdades. Que não mais admite ser lido por quem não tem noção do que nele se passa, por quem enxerga a sua sensibilidade poética como um horóscopo publicado em jornal e que vale igualmente para todas as pessoas nascidas no mesmo signo. Que não mais aceita ser interpretado da forma que melhor convier ao seu leitor que não quer enxergá-lo em todas as suas qualidades, mas, sim, de forma fria e insensível, tal qual o coração de quem o lê.

Coração que ora grita a sua liberdade, colocando um ponto final a tudo que o fez sofrer, afastando a todos que não merecem o seu pranto, a sua alegria, o seu amor. Que se despede de um passado que não mereceu existir, de lembranças que só geraram sofrimentos, que foram falsas, que o transformaram ao fazê-lo imaginar-se querido, penetrado, amado sem aperceber-se de que ele era tão somente mais um instrumento de aventuras sórdidas e irresponsáveis.

Eis-me aqui, pela vez derradeira, para falar de um coração partido em pedaços tão minúsculos, comparáveis apenas aos grãos de areia, ao pó que sufoca a respiração.

Hoje, enterro esse coração destruído, triturado, ofendido, nunca entendido por quem teve todas as possibilidades de conhecê-lo como a palma da própria mão, como se fosse o seu próprio coração, mas que, em nenhum momento, quis adentrá-lo e, muito menos, recebê-lo dentro do seu com todas as pompas e com todo amor que ele merecia.

A partir de agora darei vida a essa alma que nunca mereceu todo sofrimento que lhe foi imposto, mas que, de cabeça erguida, tem a certeza de ter sempre dado o melhor de si e o mais puro dos seus sentimentos, ainda que a quem jamais os tenha merecido.

Eis-me aqui, pela vez primeira, depois de tantos e tantos anos, para apresentar-lhes o mais sensível dos corações, o mais puro, o mais nobre, o mais digno, que se compromete a não mais se deixar enganar por quem não o merecer!

 
 

fale com a autora