AMOR ENTRE AMIGOS
Luís Valise
 
 

O bar estava vazio. Atrás da registradora o dono fazia contas, enquanto o garçon, puto da vida, rezava para que aquela fosse a última rodada. O reencontro de velhos amigos, separados pelo tempo, é sempre foda. A surpresa do surgimento inesperado, o abraço apertado, a comparação das barrigas, o inevitável convite: - Vamos tomar um alguma coisa?

A afinidade permaneceu, e agora os dois preferiam uísque, mais quente (além de fazer bem ao coração, claro) e mais de acordo com a celebração da saudade. Um estava com os cabelos grisalhos, o outro já quase não os tinha. No passado, o grisalho tocava violão, fazia umas musiquinhas com rimas fáceis, e namorava a garota mais bonita das turma. Era invejado por isso, e o careca reprimiu certa inveja dos cabelos ainda existentes. O careca era o comedor da turma. Não escapava uma, e o grisalho sufocava a dúvida se ele tinha comido até mesmo sua mulher. Depois do segundo uísque, tocou nos assuntos do passado. "Tantas comi", explicou o careca, "que acabei ficando solteiro", para espanto do grisalho:

- Cê ta brincando!

- Juro. Fiquei pra titio.

- Porra, justo você, o rei da mulherada!

- Pois é. Queria todas, acabei sem nenhuma.

- E comeu todas?

- Claro que não! A Clarice, por exemplo, eu nem tentei. Por falar nisso, como ela vai?

- Vai bem, engordou um pouco, cê sabe, três filhos, é isso aí... Cê não comeu ela mesmo?

- Não comi, não, fica tranqüilo. Ela sempre foi amarradona em você. Nem tentei.

Depois da quarta dose, concluíram que o país estava a mesma merda. Um "salve-se-quem-puder". A esperança de mudar aquilo, algum dia, tinha ido pro ralo. A vida acadêmica:

- Até o Jotadê... Quem diria...

- Pois é, grande filho da puta, o Jotadê.

Mais duas doses, e Corinthians, Palmeiras ou São Paulo estavam nivelados:

- Os putos só pensam em dinheiro! Ninguém mais tem amor à camisa!

- É. Só pensam em jogar lá fora, ganhar em dólar. Não sabem nem escolher mulher, casam com qualquer Maria-chuteira piranhuda.

- Elas estão certas! São uns putas de uns ignorantes! Pau no cu deles!

A mesma resistência ao álcool. O garçon ia e vinha, nem usava mais o medidor de doses, a garrafa do importado estava quase no fim. Ele ficou pra morrer quando o careca pediu uma porção de queijo:

- Beber de estômago vazio faz mal.

O grisalho fez força para fixar o olhar nos olhos do outro:

- Sinceramente: cê não comeu a Clarice, mesmo?

O careca firmou a cabeça sobre o pescoço:

- Sinceramente? Cê quer a verdade verdadeira? Não comi. Não comi. Só duas, eu não comi. A Clarice e a Elaine.

- Cê não comeu a Elaine? Porra, todo mundo comeu a Elaine! Só você não comeu??

- Vou te confessar: - Eu gostava um pouco da Elaine. Fiquei com medo de me amarrar. Todo mundo comeu ela, é? Nunca percebi.

- A gente era mais discreto, só você botava banca.

- Botava banca, não! Botava banca, não! Quê é isso? Me chamando de boca-mole?

- Desculpe, não quis ofender. Mas você comia e espalhava. É ou não é?

- É, mas só entre os amigos, porra. Nunca contei pra estranho.

Sem que nada fosse dito, ambos acharam que era hora de ir embora. Pediram a conta ao mesmo tempo:

- Eu pago.

- Nem fudendo. A conta é minha.

- Por quê? Cê tem mais dinheiro que eu?

- Não, mas você é casado, tá mais fudido...

A piada desanuviou um pouco o ambiente. O careca pagou. Trocaram telefones:

- Mas liga mesmo, hein?

- Eu ligo, mas vê se liga também.

- Pode deixar, próxima semana a gente toma umas de novo.

- Prazer em te ver, velhão!

- O prazer foi meu, Careca!

- Careca é a puta que o pariu!

Gargalhadas pra cada lado, voltaram às suas vidas com os olhos marejados. O grisalho chegou em casa eufórico:

- Clá, adivinha quem eu encontrei? O Rogério! Lembra do Rogério? Tá careca!

Rogério entrou em casa, foi direto para a cozinha, preparou um Sal de Frutas, sentiu as borbulhas refrescando o estômago irritado. Entrou no quarto, a mulher estava acordada:

- Isso são horas? Com quem o senhor estava?

- Cê não conhece, Elaine. Cê não conhece.

 
 

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