ESTRANHA SAUDADE
Ivone Carvalho
 
 

Queria ter a saudade que têm os apaixonados, os amantes, os namorados, os que amam e são ou foram amados.

Queria sentir o que sentem as pessoas que têm ou tiveram momentos inesquecíveis, que pudessem vir à mente para me fazer sorrir, viajar no tempo e no espaço, me transportar para lugares ou instantes que estivessem vivos dentro do meu coração, me extasiando, me fazendo feliz pelo menos por saber que aqueles momentos existiram de verdade.

Queria ter lembranças boas, que se sobrepusessem a qualquer outro fato ou recordação, que tivessem se mantido como chamas acesas dentro desta alma que não fez outra coisa na vida, senão amar.

Queria sentir saudade da saudade sentida outrora, de momentos alegres e repletos de amor; de alguém que tivesse me amado verdadeiramente e, quiçá, também sentisse saudade de mim.

Entretanto, não sei, não consigo, não quero ou, quem sabe, não posso!

Talvez porque esses momentos nunca tenham existido. Talvez porque aconteceram há tanto tempo e, por algum motivo, outros fatos, outras situações, tenham me forçado a adormecê-los, quem sabe para não sofrer tanto, quem sabe porque descobri que eram utopias; quem sabe se por eu ter acordado de algum sonho que se revelou, posteriormente, como um pesadelo onde, solitariamente, me vi perdida, abandonada, esquecida, enganada.

Queria sentir saudade de alguém que tivesse me amado tanto quanto amei, que fosse tão romântico quanto eu, que tivesse a sensibilidade exaurindo por todos os poros, que fosse doce, terno, que soubesse dar valor ao ser que sempre o amou, que me respeitasse, que usasse para comigo a mesma sinceridade que sempre pleiteou e que dei, que me fosse fiel, que me aceitasse como sou, que enxergasse as minhas virtudes e qualidades, que acreditasse na minha dignidade, que me honrasse, que se preocupasse comigo, que fosse um anjo para mim, me protegendo, me amparando, sendo meu cúmplice, meu amigo, meu companheiro; que fosse leal, que fosse discreto, que fosse atencioso, educado, cavalheiro, bondoso; que me ouvisse, que confiasse em mim, que me permitisse confiar nele, que fosse honesto com seus próprios sentimentos, que fosse autêntico, que me amasse, senão com a mesma intensidade com que fosse amado por mim, mas pelo menos com a mesma qualidade do amor que recebesse de mim.

Queria sim, sentir essa saudade. Uma saudade impossível de existir, porque impossível foi, para mim, encontrar alguém que fosse capaz de me amar da forma como sempre amei e como sempre sonhei ser amada.

A saudade que sinto hoje é dos sonhos, da utopia, dos momentos e de alguém que sempre jurei existir, mas que hoje eu sei que nunca existiu senão dentro de mim.

Fantasias da minha mente, ilusão do meu coração.

 
 

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