O ENCONTRO DAS BONECAS...*
Yoshie Furukawa
 
 

Havia numa vila duas meninas, uma morava no centro da cidade e outra numa fazenda situada no mesmo município.

Carol tinha tudo que uma menina de sua idade poderia desejar. Brinquedos diversos, uma boa escola, roupas caseadas na medida certa, sobremesas todos os dias após as refeições, mas quem a olhava não sabia ao certo se era uma criança feliz. O motorista abria a porta do carro para levá-la para a escola e sempre sorria com um "Obrigada, Sr. Manoel".

Lola lhe servia o jantar e o mesmo acontecia: "Obrigada, Lola".

Um belo dia, Carol estava dormindo e foi correndo chorando para o quarto dos pais.

__Que aconteceu minha filha?

__Mãe, eu estou me sentindo sozinha. Lá na escola eu não tenho amigos, todo mundo só fala dos brinquedos novos que ganharam, da viagem que o pai fez para fora do Brasil. Só querem contar vantagem da vida de cada um. Essa noite eu fui dormir falando com minhas bonecas. Estou muito triste. Bonecas não são gente, entende?

__Entendemos, sim minha filha. Sabe, nós achamos que você é uma criança muito especial. Todos aqui dizem do quanto você é educada. Nunca lhes ofende com nada, não reclama de nada. Eles dizem que nunca viram uma menina como você. E temos que agradecer por ter uma criatura tão linda como filha. Olhe, esse final de semana vamos à fazenda e lá tem muitas crianças. Tente fazer amizade com alguma delas. Acho que vai ser de muito valor aprender outras coisas com crianças que infelizmente, Carol, não desfrutam de tudo que você tem.

__Eu quero ir, sim. Vou levar uma das minhas bonecas também. Aliás, vou levar duas. Quem sabe, eu faça amizade com alguém, né?

__Agora fiquei feliz vendo esse sorriso. Vai dormir, princesa...

Na Fazenda batizada "Campo Belo", estava Lúcia. Apesar de morar na fazenda dos pais de Carol, nunca conhecera os donos pessoalmente, tão menos a filha deles que ouvira falar que tinha a mesma idade. Sua mãe avisara que os donos ligaram dizendo que estavam chegando no dia seguinte e que passariam o final de semana por lá. Laura, sua mãe, disse que sua patroa pedira que ajudasse na limpeza da casa e na cozinha. Recomendou a Lúcia que tomasse conta direito da casa enquanto isso, e que qualquer coisa lhe chamasse. Era a primeira vez que estava com a sede sob sua responsabilidade, já que antes os cuidados eram dirigidos todos à Dona Ana, que se aposentara e estava morando com os filhos.
Laura perdera o marido bem cedo, quando Lúcia tinha dois anos. Desde então a vida de sua mãe mudara muito. Seu cunhado lhe deu referências da fazenda como também boas recomendações de sua pessoa aos proprietários, os pais de Carol, que chamavam de Sr. Mateus e Dona Luíza.

Na noite anterior à chegada na fazenda, Carol fez uma pergunta que surpreendeu sua mãe:

__Mãe, você também é filha única como eu? Nunca teve irmãos?

__Tive sim, filha. Tive uma irmã. É uma história diferente. Pelo que sua avó contou eu tinha apenas três anos. E ela engravidara de novo e contou para sua comadre que não saberia como fazer para poder voltar a trabalhar. Então ela se ofereceu para tomar conta do bebê, que era uma menina. Quando ela tinha oito meses, minha mãe voltou para casa e foi buscar minha irmã. Quando chegou na casa de sua comadre, ela não estava mais lá. Disseram que havia partido logo de manhã. Minha mãe nunca foi a mesma. Ela pediu ajuda, procurou o bebê, deu referências sobre minha irmã, porque ela era muito linda. Tinha os cabelos encaracolados e bem macios e uma marca no pulso. Uma mancha marrom. Mas o tempo foi passando, passando e o silêncio tomou conta da situação. Filha, eu ainda não me esqueço da história, porque sua avó sofreu com tudo isso por muito tempo e pediu que se um dia visse uma menina como ela descrevera, que seguisse meu coração que ele diria se realmente ela era minha irmã. E depois disso conheci seu pai, e nada me falta, nos amamos muito e temos um tesouro de criança como você.

As duas se abraçaram por um bom tempo e foram dormir.

Lúcia estava brincando com seus brinquedos moldados com barro quando avistou uma menina se aproximando.

__Que lindo ! Quem tem ensinou a fazer isso? - observando as miniaturas de sofás, cama, cadeiras....

__Aprendi sozinha, bem, nem tanto. É que uma vez vi uns garotos moldando carrinhos, motos e achei bacana, entende?

__Depois posso fazer uns com você? Eu trouxe duas bonecas, então podemos fazer coisas para elas colocarem na casa onde podem morar, não é mesmo?

__É sim. Você não é a filha da dona da fazenda? A Sra.......

__Luíza, é a minha mãe, sim. Eu me chamo Carolina, mas pode me chamar de Carol como todo mundo. E você?

__Pode me chamar de Lúcia. Minha mãe está tomando conta da sede agora, ela se chama Laura. Acho que você vai gostar da comida dela.

As duas riram e continuaram a conversar. Foram contando coisas de suas famílias e Lúcia também disse que fazia roupinhas para uma boneca de pano que tinha. Carol perguntou se podiam brincar mais depois do almoço e Laura concordou.

Enquanto isso na sede, Luíza estava descarregando as malas quando Laura apareceu para ajudar. Estava com uma blusa de mangas compridas e um avental branco.

__Bom dia senhora, estou substituindo Dona Ana, como sabe. Só nos falamos somente por telefone até agora.

__É mesmo, prazer, eu me chamo Luíza. Laura, você me ajuda com a bagagem? Também trouxe algumas coisas do supermercado pois não sabia exatamente o que tínhamos na despensa.

__Sim, senhora. Bem, eu fiz as coisas como Dona Ana costumava fazer, procurei limpar direito tudo, e os dormitórios também. Deixei tudo pronto.

Luíza curiosa perguntou de onde veio uma conversa foi surgindo.

De repente Carol chegou toda alegre, suando e corada.

__Mãe, eu tenho uma amiga agora, estávamos brincando até agora. Ela me mostrou os brinquedos dela e depois do almoço combinei de brincarmos de novo, pode ser? Ah, e ela tem os cabelos de anjo iguaizinhos ao da sua irmã na foto que me mostrou...

__Porque não a convida para almoçar, Carol? Presumo que seja sua filha, não , Laura?

__Creio que sim, ela não se chama Lúcia, Carol?

__É sim, nós combinamos de montar os móveis para a casa das bonecas. Estamos pensando nos nomes que vamos dar a elas.

__Está bem. Então para quem quer brincar numa fazenda, acho que deve colocar umas roupas mais folgadas.

Carol saiu correndo e começaram a rir da alegria dela.

Estar com sua filha na fazenda era como poder voltar aos tempos em que podia brincar muito, e sonhar. Os sonhos de criança parecem reais.

Laura estava meio encabulada de estar à mesa com sua patroa, o marido e sua filha ao lado da nova amiga.

__Olha, você tem uma mancha na perna, Lúcia..... - Carol disse em voz alta e com olhar curioso.

__É sim, igual ao da mamãe, só que ela tem vergonha de mostrar porque na escola as crianças faziam piada disso, não é, mãe?

Luíza notou que Laura estava com um lenço na cabeça e de novo uma blusa de mangas compridas.

__Laura, pode me fazer um favor? - Luíza pediu e ela fez um sim com a cabeça.

__Pode tirar o lenço da cabeça um pouco?

Após tirar o lenço, notou que os cabelos de Laura eram encaracolados e com mexas douradas, cabelos de anjo como sua mãe dizia. Luíza não se conteve e pegou seu braço e levantou a manga. Viu a mancha marrom que sua mãe descrevera e ficou olhando sem para para Laura.

__Dona Luíza, o que aconteceu?

__Laura, você foi adotada por alguém? Por acaso o nome dela seria Joana?

__Como você sabe? - Laura perguntou espantada.

__Laura, eu tive uma irmã que foi levada embora quando tinha apenas oito meses por uma mulher chamada Joana e desde então minha mãe não se conformara com o fato. Vivia falando dos cabelos de anjo dela, e da marca no pulso. Pediu que se um dia visse alguém assim que seguisse meu coração para saber de tudo. E meu coração me diz que é você. Sua mãe adotiva deu um jeito de mudar seu nome porque era para você se chamar Heloísa.

As crianças ficaram ouvindo tudo como se fosse um conto de fadas. Assistiram as duas irmãs se abraçarem, ficaram rindo, porque agora na realidade eram primas.

Correram para o quarto e pegaram suas bonecas. Entregaram à suas mães e falaram que agora elas teriam os seus nomes.

Havia muita coisa ainda para se conversar. Mas o sorriso e a felicidade deixavam claro que muitos sonhos se tornam realidade. Basta ter esperança.

 
 

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