DE OUVIDOS TAPADOS
Carla Deboni
 
 

Teu silêncio me devora. Agarro as canções dos mudos acordes de teus gestos, e indago qual será a próxima dança. Temo cada passo teu em cima do tapete marrom, e as voltas que dás em torno do canapé adormecido.

Até mesmo o telefone resolveu se calar. Seguindo tua vontade, ele já não quer mais se manifestar. E essa falta de controle sobre o que virá me angustia ainda mais, tanto aguardo tua resposta.

Se não sabes o que sentes por mim, por que prolongar o sofrimento? Por que me deixar com ilusórias esperanças de um recomeçar? Acabou, e aceitarei, também calada, tua decisão. Há coisas que não dependem somente de mim, de nós. Dependem unicamente de ti.

É quando me pergunto da rosa, aquela estirada sobre a cama. O que foi feito dela? Talvez como eu, também despedaçou-se nas mãos maldosas de um mal-me-quer-bem-me-quer.

Empoeirada, deixou-se levar pelo imediatismo dos prazeres do toque, e só depois pôde perceber as armadilhas dos dedos revestidos de falsas carícias.

E cá estou, diante de ti, tal como um réu que aguarda sua sentença. Sei de minha inocência, meu único pecado é te amar demais.

Corredor da morte? Já não temo a solidão, as algemas já fazem parte de mim há algum tempo, só mudará a chave que poderá abri-las. A outra, eu engoli.

 
 

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