SINOS
Francine Ramos
 
 

Era uma das ruas mais simples da cidade e por isso a minha preferida. Ao lado esquerdo acompanhando as fachadas das lojas era possível seguir o destino das pombas que insistiam sobreviver por ali seguindo sempre na direção da igreja onde amontoavam no pico mais alto próximo ao sino. Será que os pássaros ouviam o barulho estridente dos sinos assim como nós? Creio que não, pois a cada badalar dos sinos as pombas continuavam em seus pequenos movimentos de bicar o telhado da velha igreja enquanto as pessoas no perfeito momento do som pareciam congelar por um segundo e logo em seguida aumentar os passos mudando o ritmo da vida. Será possível o sino controlar os passos? Eu não sei o quanto acredito que aquele sino decidiu meus últimos momentos naquela cidade que eu tanto amei.

Lembro-me do rosto de minha mãe a me ver com as malas nas mãos que enfim, naquele momento, ela acreditou na nossa conversa da noite anterior onde tentei expor todos os meus desejos capazes de me tirar da minha família tão querida. Ela acreditou que era uma vontade passageira, que cedo ou tarde eu pararia de falar naquele assunto, mas a cada manhã que eu abria meus olhos sentia minha vida escorrer pelas mãos.

Mas eu tenho saudade do meu quarto, pois não mais encontrei quartos tão aconchegantes; parece bobagem, mas mesmo com o branco amarelado das paredes, o chão duro e barulhento controlando meus passos, a escrivaninha torta onde ficavam minhas revistas, o guarda-roupa com as portas caindo e meus vestidos simples guardados com tanto carinho pela mamãe e a janela velha que, quando amanhecia, os raios do sol penetravam delicadamente em minha cama me despertando feliz até os segundos que ouvia a voz de meu pai, minha mãe apavorada preparando o café da manhã já pensando em que cozinhar para o almoço, o cachorro latindo e o som absurdo do trem que passava ali por perto.

Como eram tristes esses momentos! Como eu não compreendia aquele barulho pela manhã! E mesmo assim afirmo que aquele meu primeiro quarto foi o melhor que tive, pois à noite quando os pássaros não mais piavam e a casa dormia tranqüila eu ficava ali com os braços apoiados na janela admirando a paisagem negra com os olhos brilhantes dos gatos sem lar, a chuva, o balançar delicado das árvores e as luzes das casas apagando. Todos dormindo. E eu com meus pensamentos tolos de mudar o mundo ficava ali com o escuro da noite imaginando boas histórias acontecendo em outros lugares do mundo (e eu a olhar pela janela). Era triste e ao mesmo tempo me dava energia o suficiente para encarar o dia seguinte igual ao anterior. Era como se a imagem daquela escuridão me trouxesse energia, como se a cada som ao longe me completasse. E o silêncio mórbido quebrado com o badalar do primeiro sino do dia (madrugada) que eu lembro tão perfeitamente como se o eco dele estivesse preso em mim.

 
 

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