ENTRE LIVROS
Leo Mesquita
 
 

Gosto de olhar cada capítulo. Imaginar o que o autor tinha na cabeça quando bolou tal frase ou nome. Não gosto do senhor que sempre aparece com o mesmo casaco verde veludo. Desgosto da cara dele. Olhando com raiva porque acha que estou invadindo o setor dele, dos romances. Ultimamente ele foge ao me ver. Deve ser porque, das últimas vezes, cheguei perto e tirei um dos livros que ele tanto adora. Sou diferente do velho rabugento e não tenho livros preferidos. Porque sei que eles sentem prazer ao toque, gostam do afago de mãos cuidadosas das páginas viradas com calma. Da leitura lenta do prefácio. Do espanto ou descaso com a capa. O livro percebe os olhos dilatarem diante do seu título. O que os irrita é o erro de serem deixados por engano em cima de uma mesa, depois de uma escolha ao acaso. Odeiam a longa espera pelo assistente para retornar a estante. Eles sabem que fora do lugar suas chances de viajar são pequenas. Eu os escolho na correnteza de nomes e autores. Vou caminhando por entre os armários. Sem saber que rumo terei, sou levado pela surpresa de esbarrar em título imponente. É uma troca justa. Escolher um livro que eu não queria e receber uma história que valha a pena.

Também gosto dos odores diferentes em cada corredor. O cheiro de novidade na ala das ficções. O odor sério e burocrático das obras técnicas. Quando encontro meu alvo olho para os lados, para ter a certeza de que ninguém viu também. Se pudesse levaria todos de um mesmo nome. Pego com cuidado e apreço. Viro apenas a primeira página, leio só as frases iniciais. Recuo um pouco para ler os agradecimentos. "para fulano...", "a sicrano que me apoiou...", "para minha mulher...", e assim dá um senso de solidariedade do autor. Que ele precisou de alguém em algum momento para trazer aquela obra as minhas mãos. Cada livro é como ter um pedaço dos autores comigo. Sou um açougueiro de memórias e sintaxes.

Sempre estou na livraria. Poderia ir a biblioteca, mas sou viciado em papel novo. Preciso ser o primeiro a folhear. Deixo uma orelha de burro para marcar minha presença. Centenas têm minha saliva, das viradas de folha com ajuda do dedo lambido. Sou um "serial reader", tenho pilhas de obras e montanhas de papéis. Já sou especialista em empilhar. Confesso que quando novo tinha mania de surrupiar sumários. Tinha mania de rasgar nas bibliotecas e levar comigo. Devo ter milhares. Guardados em muitos álbuns em um dos meus quartos lotados. Lá estão os de Lima Barreto, Machado de Assis, Drumond e Lobato. Eu sei que foi coisa feia. Ainda que tenha passado, pois hoje eu não faço mais isso. Talvez esse seja o motivo de ficar tanto tempo nas livrarias. Para ficar no mar branco das letras pretas. Dos coquetéis de lançamentos, do vinho barato, dos autores que mais perseguem sucesso e eu sorvendo vinho com gosto faço um brinde aos papéis novos, brancos e puros, que em breve serão tocados pelos meus dedos.

 
 

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