CANÇÃO DE INVERNO
Carla Deboni
 
 

As lágrimas de agora nada são quando me lembro da umidade do travesseiro a banhar as noites mal dormidas. Engraçado como sempre acreditamos que nossa dor é maior, que nossas faltas são menores, que ainda valemos a pena. Engraçado como nossos sonhos parecem maiores, nossas prioridades, mais importantes, nossos desejos, mais imediatos.

Também tenho eu um olhar egoísta diante das escolhas. Mas quando o amor chegou, o livre-arbítrio empoeirou-se, desgastado a tal ponto que não pude mais distinguir os reais interesses que rodeavam minha difícil personalidade. Rendi-me.

Depois de desistir da solidão de um único par de chinelas ao lado da cama, entreguei-me aos caprichos do coração. Que parece comandar mais que os reflexos de minhas mãos ao segurar a bola que os colegas de ginásio me lançavam.

Inevitável o trágico final de um romance, como se estar apaixonado fosse sinônimo de ser abandonado. E assim fiquei, durante dias, alimentando-me de lembranças dos ditos momentos inesquecíveis, que para ele não passaram de episódios gravados numa fita esquecida na prateleira mais alta. Ou embaixo da escada.

Recuperada, recebo, inesperadamente, o pedido de segunda chance. Como se a porta ainda estivesse aberta para outra travessia. Outra fechadura. Outra chave. Outra história. Surpreendo-me com minha falta de piedade. Já não tenho o olhar paciente, as mãos acolhedoras. Com a mesma frieza da indiferença que derrubou as últimas folhas do outono, agora quero o inverno.

 
 

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