COTIDIANO
Vera do Val
 
 

A cada dia ela percebe a saudade. Vem mansa, sorrateira, cotidiana e doce, quase carícia.

Começa calada, lânguida, um roçar, afago, e vai se derramando já íntima, igual a tantas outras saudades espalhadas pelo caminho. Chega vestida de conhecimentos antigos, lençóis amassados, pequenos fragmentos de desejos sem cor, turvando a luz, criando nuances claro escuras que, devagarinho, vão lhe borrando a alma e travando a língua.

A mulher tenta escapar, solta os cabelos escondendo o rosto, se envolvendo neles quase como dedos. É quando sente o arranhar fininho da dor chegando e abafa o lamento

E aí, então, ela se instala . Se apodera toda, rasga, destroça como faca sem fio, sangra um pouco, espuma, engasga ... rola na boca....

E a mulher vai se acostumando devagar...

 
 

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