O SENTIDO DAS COISAS
Zeca São Bernardo
 

Não havia mais nada a ser feito, concluíra Maciel, e deixou-se cair na cadeira enquanto a enfermeira retirava os tubos e a mascara de oxigênio do paciente. Perdera mais um...no mês já somavam-se quatro.

Minha clinica nem é tão bem aparelhada assim, pensou, e com esse tipo de emergência não tenho a mínima expectativa de que saiam daqui vivos!

Os olhos azuis do médico percorriam a sala á procura do equipamento que sempre faltava e mentalmente nominava-os e tinha certeza de que jamais teria dinheiro para comprá-los.

A vizinhança é pobre e os casos graves são muitos! Não bastasse doar remédios e fazer consultas a preços populares, tinha ainda que conviver com aquilo. Com as emergências!

Pousou as vista mais uma vez sobre o cadáver só para ter certeza absoluta de que fizera tudo quanto fora possível, as viceras saltavam-lhe do abdome. Fora-lhe humanamente impossível deter a hemorragia, seu consolo era de que tudo tinha acabado.

Ao menos naquela tarde. Mas que diria ao menino esperando na sala ao lado? Que outro cachorro atropelado que ele encontrou na rua e levou-lhe morreu? Que não fizesse mais dessas coisas? Que deixasse-os morrer na rua, sem nenhum lenitivo?

Não, não faria isso. Não foi para isso que estudara veterinária- sabia-o- e, sim, para salvar vidas! Da mesma forma que tinha certeza que o menino, aquele da sala ao lado, sempre choroso, sempre com a voz embargada, sempre com os bolsos vazios e com a cabeça cheia de sonhos, levava-os para lá com a certeza de que o doutor poderia salvá-los.

Nunca tiraria isso dele, esse amor pelos animais. Essa força para carrega-los nos braços até a clinica e rezar por eles na sala ao lado. Mesmo se usa-se suas palavras mais duras.

Quanto a ele continuaria tentando salvá-los um a um. E escondendo as lágrimas de seus olhos cada vez que perdia um paciente...

 
 

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