ESPERANDO POR ELA
José Luís Nóbrega
 
 

Enquanto corria fugindo das sirenes da polícia, o vento frio cortava-lhe o rosto. O coração pulsava forte, querendo sair pela boca. Parecia estar sonhando, mas só se deu conta que tudo aquilo era verdade quando ao contornar uma esquina, policiais o aguardavam. Eles disseram aquela frase que todo policial americano diz: "O senhor tem o direito de permanecer calado. Tudo que disser poderá ser usado contra o senhor em um tribunal". Ele permaneceu calado. Foi algemado e levado para um presídio de segurança máxima.

Acusado formalmente de homicídio, seu futuro não seria dos melhores, já que era um pobre negro americano, suspeito de cometer um hediondo crime no Estado americano da Califórnia. Jurou inocência desde o princípio. Seu advogado pediu para que ele declarasse ser o culpado pela morte da jovem, pois assim, poderia livrar-se da pena de capital, cumprindo prisão perpétua. Não, ele não aceitou a proposta, e no dia do julgamento, perante o juiz, declarou-se inocente. Um martelo de madeiro bateu sobre a mesa. Foi condenado pelo Estado da Califórnia.

Permaneceu no corredor da morte por anos e anos. Lá, se converteu ao catolicismo. Leu e releu "Confissões" de Santo Agostinho. Padres o visitavam, e ele, sempre jurando sua inocência. Grupos de direitos humanos pediam que sua pena fosse revista. Escreveu livros sobre sua experiência como condenado. Todos se transformaram em best-seller nos Estados Unidos. Enviou cartas e mais cartas ao governador e ao presidente americano, todas sem respostas. Dizia-se perseguido por ser negro, e que o povo americano, racista como nenhum outro, detestava sua cor.

Os dias que antecederam à execução pareciam durar meses, anos, séculos... Quem poderia conviver com a certeza de ser morto no dia tal, às tantas horas? Quem poderia comer, dormir, ou mesmo viver, se o fim da vida... já estava anunciado?

No dia marcado, o condenado, que ainda jurava inocência, acordou cedo, fez a barba olhando no mesmo espelho que por quase vinte anos refletia seu único companheiro de cela: ele mesmo. O primeiro a lhe dirigir a palavra naquele dia foi o carcereiro. Perguntou o que queria comer em sua última refeição. Poderia escolher o que quisesse, tudo, mas tudo mesmo, sem economias. Por um instante sentiu saudade da infância. Exigiu o lanche que mais gostava quando era menino: pão com banana e pasta de amendoim. O carcereiro achou graça, mas consentiu com um singelo OK.

Às 22:30 horas em ponto o jantar, ou melhor, o modesto lanche foi servido. Comeu vagarosamente, enquanto olhava para o relógio. Em uma hora e meia estaria morto. Uma multidão se aglomerava na porta do presídio. Todos gritavam: "Vocês matarão um inocente". Às 23:45 horas foi levado para a sala de execução. Sem que mandassem, deitou-se na maca sem travesseiro, coberta por um lençol branco. Suas mãos e pés foram amarrados. Ele fitou o enorme relógio na parede. Somente um telefonema do governador o salvaria da morte. O telefonema não veio. Às 23:55h um padre se aproximou e perguntou se estava arrependido pelo crime que cometera. Ele disse que não havia do que se arrepender - era um inocente. Às 23:58h a injeção que o mataria começou a ser aplicada. Ouviu sirenes ao longe. Um vento frio parecia cortar-lhe o rosto. O coração pulsava forte, querendo sair pela boca. Parecia estar sonhando, mas só se deu conta que tudo aquilo era verdade quando a voz da jovem assassinada surgiu em sua mente. Dizia para ele não ter medo, e que ela... já o havia perdoado...

 

 
 

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