DESENCONTRADOS
Rosi Luna
 
 

Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
- Carlos Drummond de Andrade -

Mergulho. Caí de cabeça naquela relação amorosa e mesmo assim éramos desencontrados letrados. No papel existia uma certa magia mas na real era só fantasia. Ele me viu, tenho certeza por mais que disfarçasse. Não foi só pelo vestido verde limão com decote chamativo que era quase uma placa luminosa "pare, me olhe". Assim por baixo dos óculos, dava para perceber um olhar de simpatia que fugia.

Mapa. Ele chegava bem perto mas tudo era incerto. Marcava encontro e perdia o relógio, perdia o calendário, perdia o intinerário. A cada probabilidade de encontro, como mulher estudava todas as atitudes que iria tomar: decorava perguntas para fazer, ensaiava no espelho como deveria olhar, testava batons para que minha boca ficasse rosada e até o movimento da cruzada de pernas, tinha que ter um tempo certo de rotação das rótulas do joelhos. Queria que ele ficasse absolutamente encantado comigo e nada podia escapar daquele encontro.

Desencontro. O primeiro encontro ele não foi. Não disse nada, continuou na sua posição de oásis no meio do deserto. Fiquei sem saber se exagerei ao me apaixonar por uma miragem. Talvez ele tenha medo de mim, talvez tenha horror a excesso, não sei mesmo o que pensar. Sei que da minha parte amei excessivamente e transbordou. Amar é um estado de fluidez misturado com falta de lucidez. Fiz de conta que não aconteceu, que ele tinha ido ao encontro e que havíamos conversado muito, foram no mínimo três cafés com espuma de leite, sem falar naquela torta de morango que comi no final da tarde.

Desentendimento. O pior era fingir que nos entendíamos. Quer saber uma razão para ir a frente com o tal fingimento de uma ação que nunca aconteceu? Te digo, gostava tanto dele que a melhor forma era acreditar que ele estava ali. O mais louco era que escrevíamos longos tratados amorosos, declarações pra lá e pra cá: eu te gosto, você me gosta. Isso tenho certeza, armazenei tudo na minha caixa de correspondência. Sei que ele me conhece e que a mão dele me aquece, só suas fugas me entristecem.

Martelo. Amanhã vai ser o último encontro, se ele não for. Não respondo por mim. Nada vai me fazer voltar atrás, ele brincou demais, juro que não quero mais. Não adianta ele aparecer depois de amarelo segurando um martelo, nem assim. Não posso mais ficar querendo advinhar qual vai ser sua próxima aparição. Ele anda esquisito e com uma mania estranhíssima de trocar de nome nas mensagens que manda, uma espécie de confusão de identidade. Sem piedade, não quero mais saber.

Encontro. Ele foi, tá aqui bem na minha frente. Não tenho perguntas. Apenas um sorriso de alegria pela sua presença. Não deu tempo de ensaiar a conversa no espelho, derrubei o café no joelho, a boca tá natural, nenhum batom, minha voz tá fora do tom. A cruzada de pernas foi um horror, o café caiu no corredor. Nos entendemos, como velhos conhecidos de tempos "imemoriais". Ele pegou minha mão, não tenho dúvida não.

 
 

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