AQUELES OLHOS
Tatiana Alves
 

No início era apenas um olhar simples, daqueles que se cruzam quase por acaso. Mas aquele olhar era tão expressivo que ele voltaria a nela pousar os olhos. Como numa espécie de encantamento, aqueles olhos o prendiam. Como numa espécie de loucura, aqueles olhos o tragavam. Como numa espécie de reencontro, aqueles olhos falavam de uma época pregressa, de coisas que haviam vivido juntos, ainda que mal se conhecessem.

Ela, que sempre sorrira em resposta ao seu olhar, passou a notar a freqüência com que ele a mirava. E, como uma rede à sombra em um dia quente de verão, ele também representava, cada dia mais, o alento para a aridez do mundo. A doçura encontrada naqueles olhos azuis era uma resposta às perguntas tantas vezes proferidas. Ele parecia a palavra nunca, mas seu rosto era um tipo de esquecimento onde guardar os olhos. Aquele olhar dizia, com sua intensidade, muito mais palavras do que jamais poderiam trocar. Cada vez mais pedintes, cada vez mais urgentes, aqueles olhos pediam mãos, pediam bocas, pediam corpos. E eles, timidamente, sorriam, enquanto aguardavam o dia em que transporiam a ponte de arco-íris que os separava para, de mãos dadas, passearem ao pôr-do-sol.

 
 

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