DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE
Mariazinha Cremasco
 
 

mas sempre tem a cama pronta,
e rango no fogão
- Lulu Santos) -

Na sua primeira visita ao pediatra, eu não conseguia parar de chorar. Ele me disse, com carinho e ternura (ah, bendito dr. Elbe):

- Maria, um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.

Tomei isso como verdade absoluta (hoje eu sei que cai, sim) e resolvi viver melhor.

Traumatizada pela perda de um filho, apenas três meses antes de você nascer, tinha medo que ficasse doente também. E você chegou já cheio de responsabilidades. Tão pequenino e indefeso, e com um papel tamanho neste mundo. Ao contrário do seu irmão, era moreninho de enormes olhos castanhos. Veio para alegrar e dar cor novamente às nossas vidas. Temi pela sua integridade mental, uma vez que ainda me sentia perturbada, atordoada pelos tristes acontecimentos recentes.

"Um raio não cai duas vezes num mesmo lugar. Cada filho é um filho. Único. Não faça comparações. Não crie seu filho numa redoma de vidro."

Sábios conselhos do Dr. Elbe, a quem serei grata por toda a minha vida. Coloquei esses ensinamentos no meu dia a dia, e repetia como se fosse um mantra. E você foi crescendo, com os imensos olhos castanhos sempre inquisidores, atentos a tudo. Inteligente, esperto. Um escorpiano dos bons. Em toda a sua trajetória de bom menino, bom amigo, bom rapaz, bom homem. Com defeitos e acertos. Um grande ser humano, de personalidade forte. Do pré ao colegial no Regina Mundi, da sua entrada na PUC para cursar Economia (eu não me conformava - como alguém poderia gostar disso?). Como esquecer você, a cabeça raspada, meu menino/homem de bermudas e tênis, do corpo tão lindo, tão cedo na faculdade? Das aulas de inglês e natação, de nossas idas e vindas juntos a todos os lugares, dos seus ciúmes de mim, que eu amava e achava tanta graça.

Seu primeiro carro, lembra? (quando o filho aprende a dirigir, a mãe não serve mais como motorista), do primeiro emprego. A saída de casa, para morar e trabalhar em Campinas, a montagem do apartamento, a pós graduação, que escolheu e enfrentou tudo sozinho. Ontem, ao deixá-lo no aeroporto, para mais uma etapa de sua vida, olhei novamente seus olhos castanhos e francos, com fascinação. Meu menino é um homem e parte para outro país.

Não me dou o direito de estar triste com a sua ausência. Sinto orgulho de você, que percebe nessa viagem, o reconhecimento de um trabalho, seu crescimento pessoal, o sucesso na carreira. E você merece, filho. Merece cada pequena vitória. Você lutou para isso. De bermuda e tênis ou de terno e gravata, você será sempre o meu menino, levado, sapeca, terrível, uma criança adorável cujos olhos encantam.

Seja feliz, Bruno.

Eu estarei sempre esperando, com a cama pronta e o rango no fogão.

 
 
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