TEMPOS PÓS-MODERNOS
Teresa Maria de Magalhães Araújo
 
 
A mesa era no canto. O bar imenso, ainda vazio. Sozinha, Manoela fumava e bebia uma bebida amarga. Olhos pregados no copo. Vez em quando ouvia uma frase solta, que vinha da rua. Um pigarrear. Silêncio de novo. Trazia um livro, que folheava, às vezes, sem nada ler. O pensamento longe colocava um sorriso em sua boca. Se alguém a flagrasse, pensaria está apaixonada. Mas não. A paixão já arrefecera. Virou refrigério para os dias ásperos.

Ela o viu pela primeira vez em um vernissage. Olhava uma escultura em madeira - uma mulher nua, que em vez de pernas tinha raízes. Atenta, via o trabalho, quando um rapaz se aproximou. Não era feio nem bonito. Ousado. Anhoto e insinuante, tocou os seios da obra de arte. Ela sentiu um tranco como se fosse tangida por aqueles dedos longos. O homem lançou-lhe um olhar atiçador que a fez estremecer e um precoce sorriso de aquiescência uniu os dois. Era ele o artista da exposição cujas obras seguiam um estilo erótico e surrealista. Moreno, longilíneo, longos cabelos arranjados em um rabo de cavalo. As orelhas à mostra exibiam um brinco de brilhante, quase feminino. Entretanto, a voz grave e os trejeitos másculos desmentiam a feminilidade. Mãos fortes, gestos firmes. Olhar manhoso, fonte de inúmeras sensações que afluíam para ela. Consciente do fascínio que exercia.

Na primeira noite, sonhou com as mãos dele tocando os seios da escultura. No aguaçal onírico, as mamas frias de madeira eram as dela, ferventes e encrespadas pelo toque imaginário.

*****

- Outra bebida, senhora? O garçom arrancou-a do mergulho.

- Sim, outra dose da mesma, por favor.

Teve a impressão de que o garçom percebera seus seios eriçados. Levantou-se, foi ao banheiro se recompor. Apenas na volta, notou que o bar estava cheio.

Varreu o longo salão com o olhar. No canto oposto, o inesperado - ele! Foi em sua direção. Cabisbaixo, assustou-se ao ouvir a voz de Manoela.

- Você por aqui! Que deliciosa surpresa!

- Oi, Manoela. Como está?

- Bem, muito bem, fingia ela. Pedro, pensava em você. Como vai a vida, tem produzido bastante? Enquanto falava, com um jeitinho brejeiro, ela se lembrava da única noite de amor que tiveram.

- Vou indo. Produção se amiudando. Quer dizer, na verdade, não estou nada bem. Acabo de pegar o resultado do teste...

- Teste?

- Sim, aquele mais sinistro.

- E então?

Desassossego. O tempo se esgarçando enquanto as paredes a comprimiam. As mãos de Pedro tremeram. Titubeou. Ela precisava saber. Por fim, abriu o envelope e deu o veredictum:

- Positivo. Olha aqui, Manoela, positivo!

O desespero roubou a leveza de seus gestos. As pupilas se dilataram, sentiu as pernas bambas. Taquicardia. Aterrorizada reavaliava a palavra. Quer dizer que positivo é negativo? Negativo é positivo? Jamais pensara na finitude. "Quando a indesejada das gentes chegar." Lembrou-se do professor de Literatura declamando o poema de Manoel Bandeira. Queria ter a ironia do poeta para dizer à morte: - Alô, iniludível!

- Não acredito! Como? Tem certeza? Quer dizer que...

- Sim, é melhor procurar um médico.
 
 
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