CARTA A LUCY
Edson Campolina
 
 
Donde tantas primaveras floriram,
Tantos outonos caíram,
Tantas pegadas espalhadas,
Recolho-me a confidenciar-lhe rabiscos.

Amiga, que fazermos aqui?
Caminhar flutuando ao vento,
Buscar o desejo do pensamento?

Retorna-me o pesado tormento:
Somos sós a observar o alheio
Sendo alvos da narrativa do supremo?
Ambíguos seres, diferentes ou feios?

Em meus passados textos, vejo,
Observo, ouso narrar.
Sou eu, meu mundo e meu ver.
São eles, seus mundos e viveres.
Dual visão sem razão.
Vejo e sou visto sem coração.
Sigo sem sentido procurando afeição
E todos vamos aos fins que nos julgarão.

Oh amiga que outrora deixei
A olhar-me partir em noite quente,
Acenando adeus com vagar
Detrás do cárcere que te fez gente.
Recolho-me à solidão da madrugada,
Ao silêncio torturador da morada,
Enclausurado em minha mente
Inquieta, medonha e doente.

Ponho-me em tua ausente companhia,
Molhada pela mesma chuva,
Aquecida pelo mesmo sol,
Iluminada pela mesma lua,
Sustentada pelo mesmo chão.

Chuva que chora nossas saudades
E faz nascer o verde do reencontro,
Apaga as pegadas da partida
Levando as lágrimas da despedida.

Sol viajante que nos reviva,
Traz o dia
E os movimentos da vida,
Recolhidos antes, devolvidos com energia.

Lua, minha confidente amiga,
Leva e traz meus sonhos!
Vez consumidos e minguados,
Vez sonhados e esquecidos.

A terra que sofre e alimenta,
Engole a chuva e gera o pão.
Abriga seus filhos sem percepção
Que matam por ela, morrem por ela.

Deixar que fosse como são?
Egos em pensamentos e emoções,
Lobos travestidos de nobres
Ofuscados pelo sono da inteligência,
Perdem-se, adormecem, se vão.

Nascer, crescer e sentir-se pleno.
Envelhecer, morrer e ganhar terreno.
Alegria, amor, paixão.
É dor, tristeza e decepção.
Por dentro de minha porta
Que abro a ti,
Cultivo este jardim, invisível aos sábios.
Sem verão, inverno, outono ou primavera.

Que fazer desta vida amiga?
Uma flâmula a agitar-se ao vento,
Uma tormenta a vagar nos campos,
Uma chama a consumir-se em pensamento?
Um hastear de crendices num mastro a navegar
Em mares profundos e escuros, sem cartas,
Numa ofegante procura até perder o senso?

Não!
Embarquemos noutra rota,
Desapegados de desejos
Rumo ao fruto da noss'alma.
Mesmo que teu norte
Não seja meu sul.
E como principiantes
Renovarmo-nos a cada aurora,
Aprendendo o segredo desta arte,
Como a lua a cada minguante.

 
 
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