PRIMEIRO CRIME
José Luís Nóbrega
 
 

Todos os outros companheiros naquela comunidade carente já haviam experimentado aquela sensação. Ele, mais por compaixão, do que por medo, adiava aquele que seria um momento mais que funesto em sua vida. Matar por matar, não estava nos seus planos...

Passou então a ser excluído por seus pares. Não era mais chamado nem mesmo para jogar a tradicional pelada nos finais de tarde. As garotas se afastaram, zombando aos burburinhos daquela covardia, que para elas, fazia dele um ser humano ainda muito infantil. Algumas delas gabavam-se de já terem matado, sem a menor piedade.

Como o homem é produto do seu meio, muitos criminosos surgem dessa maléfica influência da sociedade onde vivem sobre seus instintos primitivos. Em pouco tempo, passou a formular como se daria seu ingresso no mundo do crime. Primeiro teria que escolher a vítima. Depois a arma a ser empregada no ato malévolo. O local onde se daria o abate. Provaria então a todos que o crime, a morte e a bravura... a partir daquele momento, faziam parte de sua vida.

A escolha da vítima não foi tarefa difícil. Todos os demais criminosos daquela comunidade escolhiam alvos de colarinho (e também o peito) branco. Como no Brasil essa espécie era abundante, a morte de mais uma, certamente, não faria falta, nem tampouco revelaria em ninguém o sentimento de repulsa àquele crime tido por poucos como hediondo. A arma escolhida foi fabricada em casa. Parte do material usado na fabricação foi doado pelo borracheiro do bairro, sem que esse soubesse para que fim seria usado o pequeno pedaço de borracha ofertado. Se soubesse, certamente, não teria feito a doação. A madeira para o suporte da arma foi cortada numa mata próxima. O corte se deu pelo comparsa mais experiente da turma de criminosos, já que o sucesso do delito dependeria da qualidade da alça de mira. Em menos de uma hora a arma estava confeccionada.

Fazia frio naquela tarde de outono. O jovem, prestes a se transformar em assassino, de arma em punho, permaneceu escondido atrás de uma centenária figueira, aguardando a aproximação da vítima, que de colarinho (e peito) branco, dava pequenos saltos, quiçá de felicidade, sem saber que toda aquela alegria, toda aquela liberdade, em minutos, morreria juntamente com ela.

Nem imaginando o perigo que corria, veio a distraída se aproximando, se aproximando... estava tão feliz que cantava. Aquele canto fez o jovem desistir por instantes do seu intento. Mas, se não cometesse o crime, se não a matasse, continuaria sendo motivo de chacota entre seus companheiros. Teria que matá-la, exibir seu corpo sem vida aos demais criminosos, que num ato canibalístico, comeriam a morta sem sal nem cerimônia, assim como faziam com todas as suas pobres e indefesas vítimas. E ela se aproximando... Ele sem respirar... As mãos trêmulas mais pelo receio, do que pelo frio de uma tarde de outono... Até que... Ele dá o primeiro disparo. A tremedeira é tanta que erra o alvo. Recarrega a arma apressado, enquanto observa que ela se achega ainda mais. Faz o segundo arremesso e... acerta o alvo. Ela dá um rodopio no ar e cai, imóvel, peito outrora branco, agora, manchado de vermelho-sangue. Ele se aproxima. O coração pulsa mais forte: está arrependido. Olha para a vítima já sem vida, esticada na grama. O assassino sai em disparada. Foge com ódio pelo ato cometido, atirando longe a arma do crime.

Joãozinho chega em casa esbaforido, com lágrimas a escorrer pelo rosto pálido. A mãe o abraça, passando a mão pela cabeça do filho. Ele confessa o crime que acabara de cometer. Ela sorri, e diz que uma só andorinha não faz o verão, mas que ele, não precisava tê-la matado. A coitadinha, morta há pouco, devia estar descansando no reino dos passarinhos - consolou a compreensiva mãe. Enquanto exige a promessa de que o filho nunca mais fará aquilo, Zequinha chega à porta, com uma bola debaixo do braço. Toda a molecada havia presenciado do alto da figueira o ato de destreza de Joãozinho, que a partir daquela tarde, seria o centroavante titular em toda e qualquer pelada... lá no campinho do bairro...