A AULA
Hugo Carvalho
 
 

"Você aperta no triângulo para dar pernadas; aperta no quadrado para dar murros; aperta na bola para falar e aperta no xis para pular."

Assim foi minha primeira aula de PlayStation2. Os professores? Meus dois filhos, de cinco e sete anos, havidos na terceira idade.

Desculpem! Comecei pelo final. Vamos colocar ordem na casa e no relato.

Num quase final de tarde, estava dando tratos à bola, fumando meu charuto e rabiscando idéias (rabiscando é força de expressão, melhor dizer digitando) quando os dois guris invadiram meu reduto "lítero-charuteiro" tirando minha concentração.

Normalmente eles "respeitam" este recanto da casa. Aliás, é o único lugar onde eu fumo sem rodeios e onde eles não sobem nos sofás, não apertam qualquer botão que encontrem pela frente, não mexem nas gavetas.

A mulher saíra e me deixara com os dois, que ficaram lá pelas bandas da sala de estar; três TVs ligadas. Uma com a programação normal; outra passando um desenho em DVD e a terceira com o PS2 ligado. Ainda não entendi como eles conseguem "assistir" tudo isso, ao mesmo tempo.

"Pai! Você tem que comprar um memory-card pois assim posso salvar o jogo do Homem Aranha no lugar onde parei!" Disparou o maior.

Botei o charuto de lado; salvei o que houvera escrito até então; voltei-me para eles na cadeira giratória e me dispus a dar-lhes minha sempre, por eles, disputada atenção.

Foi quando começou a história. Ou melhor, a aula.

"Você aperta no triângulo para dar pernadas; aperta no quadrado para dar murros; aperta na bola para falar e aperta no xis para pular."

Fiz-me interessado. E, quanto me foi agradável vê-los se divertirem "explicando-me", com gestos amplos e em altos brados, os efeitos gráficos ao se apertar no triângulo, no quadrado, no círculo (na bola, segundo eles) ou no xis.

"Pai! Você está entendendo? Viu como é fácil?" - e me arrastaram lá para a sala onde me ministraram a parte prática da aula da qual sempre me furtara.

Antes de sair, recorri ao charuto. Outra baforada prazerosa.

Despedi-me do puro e, na qualidade de aprendiz, coisa que nunca deixamos de ser na vida, fui desfrutar da inigualável companhia de meus filhos, apesar da enorme distância entre as idades que nos separam.