O QUE SERIA DO AMANHÃ SEM O HOJE?
Marcus Martins
 
 

Ainda não sabia ao certo o que acontecia lá fora, o tempo, o frio. Os sentimentos desprovidos de sensações, a frieza. A alegria sem contentamentos, o impacto de uma vida. O descompromisso com o tempo, o clima, o sentimento, o pesar do apesar de que. Tudo parecia contundente, tudo parecia tranqüilo, no ar uma sensação de falta de sensações.

Fugia da minha cabeça o tema, a historia, a vida era um olhar apreensivo que mirava em sentido algum, uma batelada de informações sem fim, que vinham a esmo, um rancor cego por quem não podíamos ver.

Fugia da minha mente, do meu corpo, me trancava em um poço de tampa de pedra, o tempo resumia-se a olhares atentos a uma caixa falante conhecida por nós com TV. A vida seguia apreendida, apreensiva.

Queria não ter que falar nisso, disso, mas meu corpo me boicota, meu coração me engana. O sentimento de raiva, ódio, tristeza aos poucos se apossa de nossos noticiários, de nossa casa, de nossa vida. Tudo se resumia a isso ou aquilo, aos poucos a cidade tornara-se um tremendo campo de guerra, onde nós éramos nossos próprios inimigos.

Os boatos, sempre eles, faziam metrôs, aeroportos, comércios, casas, escolas, pararem aos poucos. A tv gritava incessantemente berros de desespero que ecoavam nas ruas, no olhar daquele senhor que passa pela praça sem nada entender, os policiais escondidos atrás de suas armas tinham o medo de todos expresso em seu rosto.

Os berros de desespero da TV cessaram, iniciavam-se os de calmaria, os ventos eram bons para Ulisses, ou a bolsa de Eulo seria aberta novamente e tudo estaria em seu ponto inicial? As ruas se esvaziavam, todos se espremiam nos poucos ônibus que circulavam pela metrópole, a calmaria anunciada cessava, mas Ulisses não seria herói ainda, o vento viria em forma de transito. Todos queríamos chegar em casa.

Homens, mulheres, crianças, ouviam especialistas, policiais, comandantes, eles "os homens" escondidos atrás de seus ternos de suas posições, diziam estar tudo em paz. Depois de tantos anos víamos nossa sociedade em fim unida, pobres, ricos, classes médias e etc. estavam todos atônitos com tamanha audácia e organização.

A voz dos jornalistas ia sendo trocada pela da população que mostrava sua indignação, revolta e apreensão o que seria o amanhã sem o hoje? Nada! Todos sabíamos disso, perguntávamos-nos sobre isso. Sobre quem é quem na dança da vida, pois a cada um cabe saber a dor e a delicia de ser o que é, como diz Caetano Velloso.

Apenas os que viram, que andaram pela capital souberam o que deve ser a guerra, qual o sentimento sem sensações que a guerra pode nos trazer, talvez nos tornemos pessoas renovadas, por tudo ou por nada. Ao fim da tarde os olhares cansados das pessoas revelavam o que cada um de nós sentiu. Cada passo podia ser o ultimo era isso que se alardeava por todos os lados, era a guerra declarada, a sentença julgada. E eu era apenas mais um de tantos.

Após todas essas sensações, desejos, apreensões, deveríamos parar e pensar neles, nos homens que organizaram tudo isso, chefes com uma inteligência impar, pois sem tal não seriam capazes de terem planejados tais ataques.

Nossos policiais mostraram a garra que nos mantêm vivos. A prova real de que são seres realmente de grande valia, de um espírito elevado, segurando suas armas sem saber o que acontecia, o que aconteceria eram donos de um mundo particular, um medo que os mantinha nas ruas, vivos em busca de um inimigo oculto, por isso que inteligência nenhuma é maior que espíritos elevados.

Agora notamos a enorme distancia que há entre nós e nós mesmos, seres com as mesmas capacidades, apenas de transgressões diferentes.Essa é nossa diferença, seriamos nós melhores ou piores que eles? Mudam-se os ambientes, mudam-se as vestimentas, a carapaça, a mascara...Tudo isso serviu para que nós olhássemos para nossas escolas do crime, para nossas escolas de educação...

E hoje quando acordei olhei para o espelho notei a grande distância que existe entre eu e eu mesmo, e na hora que seguia para a vida. Ouvia a conversa longa de duas donas-de-casa que discutiam a política e a vida urbana...

- Bem me deixa ir, senão meus filhos ficam sem janta.

- Vai mesmo, fazer janta e dormir...

Risos

- Fazer janta e ir para a escola

- Você voltou a estudar?

- Voltei

Disse e soltou um sorriso de alegria por poder dizer aquilo. Somente ai notei que a distancia era maior do que eu imaginava.