COTIDIANO
Maria Cláudia Mesquita
 
 

Ai! Queria ter o tanto certo de palavras para construir um poema. Acordo, lavo meus cabelos, canto no chuveiro, olho meus olhos no espelho enquanto uso meus cremes e perfumes. Coloco o som alto e sou mais eu na casa cheia de mim. Levo meu sorriso arrumado, salto e sombra, até a mesa da cozinha. Lá você me deixou só com o meu café, o jornal que eu teimo em não ler. Você que é mais do dia que eu, está caminhando. Sirvo-me do meu café duas vezes, corto o pão e deixo escorrer o requeijão. Mordo, tomo mais um gole, leio palavras soltas entre as manchetes e anúncios como quem garimpa o número exato de palavras. Ai! Queria poder escrever um poema.

Escuto seus passos, acomodo-me e finjo me distrair com a leitura. Você chega e beija meu pescoço e eu finjo que assusto. Bocas se encontram em bom dia e meu café esfria. Quem me dera achar a medida exata. Você se senta e eu finjo não saber seus olhos fixos em minha leitura tão sem propósito. Esvazio-me enquanto um poema se desfaz em minha mente sem ao menos dar tempo ao que já era.

Não, você já não estava lá. Quem me dera!