A PROSTITUTA
Eduardo Prearo
 
 
A descarga está enguiçada, faz barulho de panela de pressão, solta água pra todo lado. São duas horas da manhã. A água percute sobre a tampa da privada uma música primitiva, dedos velozes tamborilam. Johan se arrepende de ter se mudado para a pensão sem nome. O dono do lugar parece estudá-lo, mas a troco de quê? Tudo iniciou na tarde do último sábado, quando esse senhorio o chamou para dizer-lhe que estava ouvindo um som esquisito vindo do toalete. Entrou, deu uma olhadela na descarga, mexeu na clarabóia e saiu. Johan também saiu em seguida; foi tentar em vão preencher o vazio do dia. Retornou como sempre amargurado e notou que a descarga fora trocada por outra ainda pior. Agora, segunda-feira, madrugada, Johan se encontra molhado; soltou a clarabóia ou seja lá o que for, mas de nada adiantou. Acha que o homem armou uma cilada para censurá-lo por causa de algum defeito seu, para fazer perguntas e mais perguntas; afinal, ali todos são confiáveis. Então, sem sono, resolve sair pelas ruas desertas repletas de mendigos enrolados em obers de composição indeterminada. Chove. Como pôde ser tão burro, ignorante e monstro? Avista um Relax for Man e ali entra. Encontra uma tal de Gislaine e esta lhe oferece de imediato um drinque.

--- Parece tão tristinho. Não quer um cafuné, não?

--- Nem sei por que entrei neste lugar, sabe. Alguns homens quando me vêem escarram um escarro sonoro. Tenho algo de feminino. Querem é ver macho como eles; a paisagem ying provavelmente não agrada.

--- Isso não tem nada a ver, não, sr...sr o quê? Hum...

--- Johan. Johan Prado.

--- Hum, que chiquê! É de família antiga. Os europeus estragaram este país. Sou do nordeste, do sertão; vim tentar a sorte aqui. E dei certo. Que delícia.

--- Naturalmente que isso é dar certo por aqui. Gislaine, não tenho amigos. Perdi-os todos porque sou decepcionante, tenho defeitos e... meio que careta.

--- Pois olhe que agora tem uma amiga, viu? Saia dessa morrinha, homem. A vida é uma só. Pra quê tristeza?

--- Que morrinha? Vou lhe confessar algo: sou esquizofrênico, tenho mania de perseguição. Ai!, aí não. Preciso de silêncio. Vivo de aposentadoria. E no momento, estou na merda, desculpa a palavra. Marcaram uma perícia pra daqui a vários meses e...

--- O sr tá me dizendo que é louco? Louco e ainda por cima pobre, perseguido? Pensa que eu não sei, ó. O sr me desculpa, mas Sufia também tem mania de perseguição.

--- Sua filha?

--- Não, Pedro Bó, minha greta.

--- Greta Garbo?

--- Amigo, o sr tá me irritando, sabia? Pois vou lhe confessar uma coisa também. Todo mundo já ouviu falar no sr. O Brasil inteiro. É...é... O sr faz parte de nossas vidas. E nem me pergunte o porquê porque é segredo.

--- Sabe que eu ouvia muito isso, que fazia parte da vida de desconhecidos? Isso foi em 1989. Era como seu eu fosse um extraterreno na Terra, não um ser-humano.

--- Meu insaninho. Na Terra, é? Não é na Lua não? Veja o lado bom. Pior seria fazer parte da morte dos brasileiros. O que o sr andou aprontando, hein?

--- Madama, não creio. Olhe, olhe da janela! Um objeto não-identificado em forma de charuto. Eu nunca acreditei. Estamos tendo uma alucinação coletiva, ou melhor, a dois.

--- Ih, pois é só um disco-voador. E extraterrestre aqui sou eu, meu amor. Vamos, agora vista-se. Partamos enfim rumo ao espaço sideral!

Johan corre até o banheiro sujo, urina, dá a descarga e percebe que a mesma disparou. E agora?, pensa. Estaria apaixonado por Gislaine?