CIDADEZINHA QUALQUER
José Luís Nóbrega
 
 

Acordou sem a menor vontade de acordar. No criado-mudo um copo d'água vazio adormecia. Na garganta seca, um pigarro ainda mais seco. Pássaros não cantavam naquela manhã. O dia estava mudo...

Ligou o rádio-relógio (naquela cidadezinha eles ainda existiam), quebrando assim, a mudez do dia. Na primeira estação um rock dos anos sessenta. Na segunda estação um samba dos anos quarenta. Na terceira estação sintonizada no rádio que não mais servia como relógio, um pastor a pregar. Ele pregou tanto, mas tanto, tanto, naquela muda manhã, que acabou por quebrar a única tábua de salvação das pobres almas náufragas implorando por socorro. Na quarta estação sintonizada... apenas um chiado, fazendo com que a procura pelo nada parasse por ali.

Não havia luz nas frestas empoeiradas da janela. Uma chuvinha mansa começou a cair, tentando quebrar também a mudez da muda manhã. Não era daquelas chuvas de molhar a terra, daquelas de lavar almas náufragas implorando por salvação. Era uma chuvinha fina, chata, uma chuvinha tímida murmurando pingos a cair no telhado de uma casinha qualquer, esquecida em uma cidadezinha qualquer.

O rádio desligado, a escuridão do dia, a chuvinha chata e tímida a murmurar. Um cachorro late ao longe um latido de dor... Uma mente perdida a refletir sobre as pregações de instantes atrás. Uma vontade de ficar na cama, de permanecer calado ante aquela manhã muda e aquela chuvinha chata que agora já escorria pelo telhado. Devagar, o homem se vira na cama, procurando o aconchego da coberta quente. Entre os pensamentos vagos, uma frase do Drummond a martirizar a alma naufragada naquele silêncio mudo: "Eta vida besta, meu Deus"...