UMA MÚSICA, UM FILME
Tatiana Alves
 
 

Onze da noite. Após a corrida de praxe para não perder o último metrô, percebeu a música de fundo que tocava na estação. Triste e bela, como geralmente o são as músicas de amor. De quem era mesmo ? Rachmaninoff, acho. Como era o nome do filme ? Falava de um amor impossível, em que o mocinho viajava no tempo para encontrar a sua amada, que ele conhecia sem saber como. Lindo cenário, linda música. Separados pelo anacronismo, juntavam-se ao final, na eternidade. Lindo filme. Lembrança de sua adolescência, época em que também ela viajava no tempo, indo para o futuro em busca de seu príncipe encantado, que afinal deveria mesmo viver em outra época, já que era tão difícil encontrá-lo.

A rapsódia ganhava força, impregnando o ambiente de romantismo, contrastando com a frieza das inócuas pastilhas que decoravam a estação metroviária. Parecia querer embelezar os passantes que, mesmo sem talvez terem visto o filme, se deixariam conduzir pela doce melodia.

A música foi cruelmente interrompida pela voz metálica do funcionário, que enumerava as proibições da vida urbana: "Não ultrapasse a faixa amarela","... quando o trem abrir as portas". Mensagens incompatíveis com o mundo de fantasia em que ela havia embarcado. Em seu mundo, a mocinha usava um chapéu e uma sombrinha, enquanto o amado a levava a um passeio de barco.

Então os créditos começaram a aparecer, o trem do metrô chegou, e seu frígido apito rompeu de vez o encanto, trazendo-a de volta à realidade. A mocinha, uma atriz não mais tão mocinha, fazia agora papéis menores em filmes sem graça. O mocinho, belo e apaixonado, que além de tudo se parecia com o Super-homem, ficara tetraplégico, para sempre confinado a sua cadeira de rodas. Ambos, bem como os sonhos de outrora, jaziam, inertes, em algum lugar do passado.