NÓ NA GRAVATA
Carla Deboni
 
 

Com o sapato ainda apertado, Lucas continua a insistir nos passos secos no chão da sala. Andando de um lado para outro, o jovem nem nota a nódoa na janela, logo acima de seus ombros. Esperar... maldita condição que faz dos segundos frios algozes, enquanto os ponteiros do relógio se divertem com seu ritmado compasso.

Nenhuma palavra, nenhuma mensagem, nenhum aviso. E Lucas a esperar o que é certo, mas não previsível. Folheia o jornal, fingindo esquecer a forte pulsação que ecoa numa canção que tenta cantarolar. Um copo de café. Dois. Três. Chega, agora é preciso um pouco de água gelada. Há momentos em que só o repentino jazigo do contraste pode oferecer fugas de alívio nas inquietações da alma.

O tapete tem um desenho bonito. Cores comuns, traços simples, mas belos. Tenta imaginar as mãos que o fizeram, e a ansiedade dos dedos em concluir o trabalho tão nobre quanto o de qualquer outro artista. Saberiam essas mãos que estariam criando um aconchego momentâneo para sapatos tão apertados como esse?

O aperto agora é no coração, quando ouve passos próximos à porta. E lá vem ele, com o peso e a sublime condição da novidade, o início de um vínculo cujo final parece tão eterno quanto o azul do céu, que de repente adentra a sala.

- Parabéns, é uma menina, senhor...

De repente, o sapato parece mais frouxo. O corpo todo experimenta os primeiros prazeres da paternidade, o nó na garganta rouba a cena do na gravata, e a vontade de chorar se mistura aos sonhos que ali já nascem, com alguns centímetros e 2,8 Kg, dando seus primeiros suspiros dentro da vida na sala ao lado.