SUA EXPECTATIVA, MEU EXPECTORANTE
Edison Veiga Junior
 
 

Quando chegar em casa, a porta entreaberta e os livros saqueados, não se esqueça de apagar a luz, para não dar na vista. É preciso avisar os vizinhos que estamos fugindo, a fim de evitar alarde maior, polícia nas costas, fotografia em jornal, mãe e pai chorando. Durante o percurso, economizemos os beijos. Os suores, deixemos para depois.

- Quantos passos ainda faltam?

- Não sei nada de contagem regressiva.

Eu olho para o relógio, os ponteiros me atordoam de fome. Lógica, religião, azulejos, aleijados, corante vermelho pintando o saguão. Você perdida, que nem nós dois.

- Quantos passos já fomos?

- Mais do que posso. Menos do que piso. O mesmo que passamos.

A sirene apita e nos lembra o que somos. Sequer torcida vale a pena se o único nó que precisamos não contém glúten. Só um gosto de sacolejo e um sentimento de escuridão. Gases por toda a parte anunciam a morte que foi ontem, anteontem, semana passada. Por instantes, sinto que pertencemos a um mundo extraordinário de canção, tédio, fantasia, fogo e lágrimas.

Carrego três cebolas cruas no bolso para que, alimentados, halitemos mal. Você traz a mala, onde estão roupas sujas, esperança e pavor. Voltemos à realidade que o trabalho nos espera nos classificados do Estadão.