DE OUTRO ÂNGULO
João Rodrigues
 
 

Enquanto o helicóptero sobrevoava a cidade ela fazia planos para sua nova vida. Sim, morar em uma outra cidade era um sonho antigo, que alimentava desde os tempos de caloura na Universidade de São Carlos. Já estava cheia de São Paulo, uma cidade rica, mas cheia de prédios, onde as pessoas nunca se falam, um engarrafamento terrível às margens do Tietê, a fumaça das indústrias que deixava os céus escuros e quase não se podia ver o sol. O frio rasgava a alma. Praia, nem pensar! A não ser quando podia passar um final de semana em Santos, o que era uma raridade acontecer. Até que se divertia quando havia festinhas no apartamento de alguma colega da faculdade; nada muito empolgante. Logo após a festa era cada um para o seu canto, e acabou!

Marcos era o sonho de todas as garotas da faculdade: bonito, corpo atlético, inteligente e educado. Ela teve que dar um duro danado para conquistá-lo em uma noite, numa festa de formatura da irmã dele. Entre várias meninas que tentavam seduzi-lo ela o agarrou e deu-lhe um beijo na boca. "Vamos lá fora, amor?" e, na maior cara de pau puxou-o pelo braço como se fossem namorados de longa data, deixando as demais boquiabertas; nem mesmo Marcos estava entendendo o que se passava naquele momento. Isso era o que menos importava para ela, embora ele tivesse ficado um pouco constrangido. Aquela noite fora maravilhosa. No dia seguinte, na faculdade, foi o maior comentário!

Ele agora era um empresário de sucesso e ela uma médica no auge da carreira, bem-sucedida, prestes a se mudar para a cidade de seus sonhos, a morar definitivamente com o homem que escolheu, ou melhor, que arrancou do meio de tantas outras - sem se tornar vulgar - mas que, pouco a pouco soube conquistar o seu carinho e o seu amor. O príncipe de muitas garotas universitárias agora era só seu, exclusivamente seu. E ela era a sua rainha. Quando saiam juntos para alguma festa muitos olhos os buscavam, e ela, orgulhosa, exibia seu troféu. Um homem que a amava e a respeitava como mulher e esposa. Entre uma taça de vinho e outra trocava confidências com algumas amigas mais íntimas. Poucas delas tinham tido a sua sorte, podia-se contar nos dedos de sua mão direita.

Combinar sucesso e casamento não é uma tarefa fácil em um mundo pós-moderno, onde o corre-corre do dia-a-dia deixa qualquer pessoa maluca, e que, se não tiver cuidado não é nada difícil um relacionamento descer ladeira abaixo. Portanto sempre achou importante se esforçar um pouco mais e conseguir um tempo - mesmo que curto - para ouvir, conversar e trocar opinião com o seu esposo.

O Cristo, de braços abertos, trouxe-lhe à memória o último Reveillon em Copacabana. E após dar sete pulos sobre as ondas o seu pedido foi feito com muita fé. Suas expectativas eram grandes: uma família feliz, uma carreira de sucesso e felicidade, muitas felicidades. Não havia realmente do que se queixar.

Tudo estava saindo exatamente como havia sonhado. Seus pais viviam bem no interior de Minas - o pai, aposentado pela Petrobrás, e a mãe, médica aposentada pelas Forças Armadas. Seus dois irmãos tinham bons empregos e agora apenas ela tinha que correr atrás e fazer o seu pé-de-meia.

Em suas costas o imponente Pão de Açúcar com sua eterna visão panorâmica avistava toda a enseada de Botafogo. Assim era ela: segura, firme e decidida. A vida a ensinara a ser assim. Deve-se olhar o mundo de cima e então terá uma melhor visão de tudo; assim como via a sua nova cidade.