ELAS MORAM COMIGO
Leila de Barros
 
 

Ontem tirei uma expectativa do meu armário, enquanto ela brincava com uma lagartixa que sempre faz morada por lá.

Saí com ela pendurada ao ombro, como um paletó que a gente carrega quando tem a expectativa de que vai esfriar.

Carrego sempre muitas na bolsa e no âmago, pois nunca sei qual delas vou precisar sacar na hora na necessidade.

Às vezes elas se escondem de mim e sobem feito pipas no ar rarefeito, mas sempre voltam ao entardecer, porque precisam de mim.

Vez por outra elas falam outros idiomas que desconheço e ficam desconexas. Nesses momentos eu me calo e procuro aprender novas palavras e novos gestos para me comunicar melhor.

Existem aquelas que não são passíveis de serem exibidas, possuem legenda, mas são só para maiores. Essas ocorrem na coxia.

Gosto muito daquelas que fogem de mim e correm pelos telhados alheios, miando e acordando os deuses de dorso dourado. Elas fazem vibrar minhas cordas vocais e as transformam em bons acordes matinais. E eu acordo com novas expectativas.

Podem ser noturnas e vibrantes, ou diurnas e lúdicas, palpáveis como o milho cozido e bem amarelinho. Já mastiguei algumas expectativas bem azedinhas e outras insossas.

Existem as expectativas de que meus sentimentos sigam sempre em paralelo com os sentimentos daqueles que caminham comigo na mesma pista de bicicleta. Mas, nem sempre as marchas são iguais.

Aquelas às quais sou mais apegada são as que me conduzem infinitamente ao mar, expectativas oceânicas, verdes, salgadas e selvagens. Deixo-me envolver por elas e pelas algas e moluscos, até tornar-me um deles e lamber novamente a areia.

De vez em quando perco algumas também, mas elas se sintonizam com meus imãs e voltam renovadas.

A mais exótica é aquela em que me caso com um alemão, em um templo budista, com uma prece espírita e flores lilás enfeitando meu cabelo.

Elas moram todas comigo e só saem de madrugada para espiar as notas doces do orvalho.

Já não sei viver sem elas. Tem gente que prefere os bichos de pelúcia, os animais de estimação, as manias ou o desalento, eu tenho preferido as expectativas.

Por isso em casa é assim, todo dia visto uma novinha em folha e saio me sentindo, como dizem por aí...