ENCRUZILHADA
Oicram Somar
 
 

E então com um suspiro longo e profundo ela continuou com seus passos tímidos, seu semblante triste, seus cabelos negros. Mais negros ainda naquele inverno. Seus olhos úmidos, sua pele áspera, seus lábios entreabertos e a respiração de quem vacila. Seus sonhos no ar, entre a terra e o céu, vagando ao sabor dos ventos e das marés.

Mais uma vez procurou aquela foto, amassada, amarrotada e manchada de água e sal, de caminhos perdidos, de copos e de noites mal dormidas. Mais uma vez se lamentou, se indignou, se culpou, se matou. Quantas vezes mais seria preciso olhar para trás?

Já não sabia nada do tempo, sabiá cantava e ela como formiguinha andava. A foto nas mãos, as imagens cada dia mais amarrotadas, as lembranças passadas, já eram novas histórias, ficções inventadas na estrada sem fim.

De tanto se esconder das pessoas o mundo foi se esquecendo dela. Ela precisa se apaixonar, porque sua alma de poeta, era um fardo a carregar. Amava um sorriso, um retrato, um emeio, uma carta, uma canção, um fantasma, uma sombra.

Esperava nos seus sonhos um sinal, em algum lugar uma salvação, no trabalho, na família, na próxima saída à rua, na estrada deserta, nua. Não percebia que seu dia a dia era uma alucinação, não uma invenção, mas uma verdade simulada, pior que uma mentira, maior que uma cilada. Apaixonada pela sua sina, se escondia de sua vida.

Nada sabia mais de sua história, procurava algo bom e tentava imaginar algo dentro dela, para ela e para mais ninguém. Sozinha nas noites, sozinha nos dias, sozinha. Quanta desilusão suas expectativas ainda lhe trariam? Lembrava do último blues, "eu não pedi para nascer, e você querendo dizer, o que eu tenho que fazer pra viver?".

Procurava as palavras nos textos alheios que lhe faltavam, sua mente confusa já não criava mais nada, deixou o telefone de muitos para trás, insistiu em não avançar. Aquela foto na sua bolsa, embotada, que ela se apaixonou num momento de total solidão. Ainda mantinha o sinal da vela, o cheiro do charuto, a marca de aguardente, e aquele sorriso enigmático. Triste dia em que foi se deparar na encruzilhada, sem esperanças, sem amor próprio, sem nada. E encontrou aquela foto e por ela foi aprisionada. Por uma imagem, sem paisagem.