NA NUDEZ DA ENTREGA
Carla Deboni
 
 

Preparei-me para receber o amor. Fiz-me bonita para que, quando ele chegasse, pudesse repousar em meus braços como um viajante que há muito busca algum conforto. Costurei meu vestido com as ilusões infantis do eterno, encaixando cuidadosamente na agulha os caprichos da alma que se esquece da realidade.

Os cabelos adornei com uma tiara simples, que continha nada mais do que pedras de doçura incrustadas no dourado da singeleza de uma valsa antiga. Os cabelos soltos, acariciados pelo suspiro do entardecer em mais um dia de setembro, cobriam os ombros nus que o pudor tentava esconder. Nas mãos, uma luva de pelica me protegia os dedos inquietos, que a todo instante buscavam o aconchego de outras mãos, para prender o coração ao qual o meu já está atrelado.

Nos pés, sapatilhas que envolviam a delicadeza dos passos na corda bamba. Com pés de bailarina, pus-me a dançar, numa coreografia até então ensaiada na imaginação e que de repente deu ao corpo a leveza dos trapezistas que se jogam nos braços da sorte.

Nada mais faltava, além da bolsa. Esta, eu não queria. Nela havia guardado o último amor, que havia se estilhaçado tal como o copo que escorrega das mãos da criança num momento de distração, ou da jovem que tropeça ao tentar acompanhar a rapidez de seus desejos, indo ao chão. Não, nada carregaria desta vez. Já previa que toda minha vestimenta em breve estaria no chão, na nudez da entrega do amor. Que eu apenas doasse, e nada levasse comigo no retorno do amanhecer.