SURPRESAS DO CORAÇÃO
Giulia Mia
 
 

A escolha foi um terninho cinza chumbo. Era dezembro de um ano especial: dois mil. Ele não era novo, nessa manhã acrescentei uma camisa branca e um lenço fino. Não sei, foi tudo muito rápido, sem pensar. O sapato era um mocassim preto, fivela dourada, na mala duas trocas um pouco descombinadas.

Assim, com essa malinha na mão, o Visa na bolsa e uns dólares emprestados de minha mãe, naquela manhã de domingo fiz a coisa mais difícil de minha vida. Meu marido estava a trabalho em Miami e teve um infarto do miocárdio! Chamada as pressas, olhei cada um dos meus três filhos que ainda dormiam, pois era ainda madrugada e sussurrei no ouvido de cada criança : - "Preciso viajar para os EUA para ficar com o seu papai até ele melhorar e depois trazer ele pra casa". Ainda sinto a dor que tive ao dizer tudo isto, sem saber se eles o veriam de novo.

Partia e pensava como enfrentaria tudo: hospital, formulários, exames, médicos e enfermeiras em inglês. Tratei de me preparar para o vôo e deixar de lado a lembrança da carinha de meus filhos de pijama, enquanto eu entrava no táxi, com destino ao aeroporto. sem saber se ele ainda estava vivo. Sem reserva, nos balcões das companhias aéreas implorei por um lugar e, finalmente acomodada e voando não aceitava ter que ir. Pensava: Porque não embarcaram ele para o Brasil? Sei lá, vivo ou não aqui no meu país eu ia saber o que fazer...

Cheguei ao hospital acompanhada de minha irmã, que para nossa sorte mora lá. Finalmente pude estar com meu marido. A primeira coisa que ele disse quando abriu os olhos entre uma medicação e outra, foi simplesmente:

- Ah! você veio, que bom. Mas que roupa é essa?"

Ele percebeu o que eu tentava esconder com um sorriso forçado, aquele conjunto sisudo caracterizava a gravidade da situação. Peguei um ódio tão grande daquele terninho! Usei-o pelo menos mais seis vezes naquele período de quinze dias que estive lá. Uns dias depois me livrei do traje completo ao doá-lo para a faxineira brasileira que trabalhava para minha irmã. Tomei esta atitude quando encontrei na mala de meu marido um conjunto esportivo bárbaro (ele sabe escolher presente pra uma mulher!), com um bilhete muito amoroso pra mim, escrito uns dias antes do infarto, dizendo da saudade que sentia de todos nós.

Bom mesmo foi voltar para o Brasil e termos o Natal com os três pequenos tão felizes por reverem o pai.

E o melhor de tudo, nós dois sobrevivemos!

 
 

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