NASCIMENTO, VIDA E MORTE DE ELISA TAVARES DE MACEDO
Kalindra Baba

Nasceu rosada. Cachinhos louros, de anjinho. Olhos azuis, do céu de Nossa Senhora. Uma boneca no meio de quatro varões. Chamavam-na Eeee liiii saaaaa. Assim, devagarinho, como que saboreando a sonoridade doce do nome.

Elisa foi criada em meio aos paparicos do pai, na casa da avó. Dona absoluta dos mimos dos irmãos. E da mãe, a esperança de que, no futuro brilhante e de sucesso, com certeza, a filha pudesse realizar os sonhos que ela mesma não ousara.

Elisa pra lá, Elisa pra cá. Cresceu passando de colo em colo pra não se machucar. Um biscuit. "Ai Jesus, que esta guria não me venha quebrar o mindinho", vó Serafina era só cuidados com a menina.

Vestidinhos de organdi, sapatinhos de verniz - uma coleção completa das melhores grifes infantis superlotava o armário cor de rosa. Ursinhos e coelhinhos em profusão garantiam uma decoração singela do quarto e um sono mágico à princesinha. Como uma mocinha, declamava aos três anos, e aos cinco já alcançara a primeira fila das apresentações de balé Medalha de ouro do maternal ao último ano escolar.

Será que a menina vai ser poetisa? Será que a menina vai dançar no Bolshoi?

"- De jeito nenhum. A menina Elisa vai se casar com um embaixador e se formar em Filosofia". Toda a família fazia planos. Elisa foi se tornando uma entidade alimentada pelos anseios, frustrações e desejos dos Tavares de Macedo.

Sua infância, o parque de diversões de um conto de fadas. Pensamentos adivinhados e todas suas vontades, de imediato, providenciadas.

O nobre esporte da esgrima foi o escolhido para que exercitasse o Mens Sana in Corpore Sano. Toda paramentada, lá estava ela, às terças e quintas-feiras, na quadra do Clube Esportivo.

Meiga, carinhosa, linda. Lindíssima. Os cachinhos transformando-se em abundante cabeleira tratada com vigorosas escovadelas e banhos de chá de macela. O corpo ágil e gracioso qual uma Isadora Duncan. E a voz, bem... a voz, um trinado. No dia de seu décimo oitavo aniversário - enquanto um jantar requintado era preparado à moda provençal - você não vai acreditar, mas vai encontrá-la às 9 horas, ela, a Bela Adormecida, tendo um outro e verdadeiro despertar.

À navalha, sim, e bem curto. Depois, mete uma tinta preta. Meu presente de aniversário, uma tatoo tribal de um lado ao outro dos quadris. Dois piercings no nariz e outro no umbigo. Três argolinhas enfileiradas na orelha direita.

Uma passada na Faculdade e pronto, cancelada minha inscrição na História da Arte Renascentista: automaticamente habilitada ao cursinho pra disc-jockey, aquele mesmo, relâmpago, que vinha me atentando há tempos no site www.cainareal_mermão.com.br

Basta! Chega! Vou comemorar na barraca do velho Gomes, empapuzando um angu com carne moída e sapecando um forró pe-de-serra.

Vou doar minhas musselines pro brechó da Vanda, e meus escarpins pro Retiro dos Artistas. Abro um blog "Acorda, mané ", e uma comunidade " Detesto Frescura ", no Orkut. Aos meus irmãos, mando um beijo, e aos meus pais e avós, mil perdões, num cartãozinho.

Vou garimpar meu modo de ser feliz, e o meu dom literário, que não sou trouxa, e esse vai ser expressado em breves contos urbanos e radicais.

Estou me mudando pra uma comunidade Hare Krishna - comerei prashada e viverei de brisa - só para ter a certeza de que essa não é a vida que eu quero. Talvez convide a Gracinha pra rachar um conjugado.

Nada de planos. O aqui e agora. Um dia de cada vez.

Os Macedo Tavares, profundamente consternados, comunicam o falecimento prematuro de sua dileta filha, irmã e neta Elisinha, ocorrido tragicamente no dia de seu 18º aniversário. A família dispensa os pêsames. Unânimes, uníssono, declaravam: "Pra nós, ela morreu."

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