JEANS & CAMISETA
Patrícia da Fonseca
 
 

O Raul me convidou para uma festa… estranho. O Raul sempre foi meio anti-social. Só que desta vez era diferente. Era do pessoal do trabalho dele e – coitado do Raul – fôra praticamente intimado a ir. Eu, que nem a eventos familiares comparecia mais por causa do meu namorado, decidi ir para dar uma força.

Perguntei se havia algum traje especial. O Raul balançou a cabeça e disse que era uma confraternização simples, sem grandes frescuras. Eu que fosse do jeito que achasse melhor. Menos mal, pensei eu. Nunca gostei mesmo de grandes produções. Jeans, camiseta e tênis eram o meu uniforme praticamente diário.

Na noite da festinha do trabalho do Raul, até pedi para sair mais cedo do serviço para fazer as unhas. Seria o máximo que eu faria também de produção. Além do mais, uma enxaqueca me perseguia desde que eu me acordara e meu humor já não estava dos melhores. Por mim, nem saía de casa. Torcia para que, pelo menos, não tivesse nenhuma rodinha de pagode para acabar com meus tímpanos e minha cabeça.

Eu sai do salão de beleza, com todas as minhas vinte unhas impecáveis e brilhantes. Mesmo assim, rezei para que o celular tocasse e fosse o Raul dizendo que desistira de ir à confraternização. Acho que eu estava com TPM também. E o celular tocou. Era o Raul confirmando o horário que iria passar lá em casa: 20h e 30min. Nem um minuto a mais e nem a menos. Eu que estivesse pronta na portaria do prédio porque ele não queria se atrasar.

20h e 30mim. Eu na portaria do prédio. Traje completo. Jeans, camiseta e uma sandália dourada. Como a dor de cabeça não havia passado e meu mau humor aumentado alguns graus, deixei o cabelo caindo solto pelas costas, ainda úmido. Quando o Raul me viu, percebi que ele iria falar alguma coisa, mas se conteve. O que seria? A maquiagem leve demais? O cabelo displicente? A roupa não poderia ser, até porque ele disse que seria algo simplezinho. Nem me importei também. Conversei aos monossílabos e a única frase que consegui terminar sem grunhir foi para perguntar até que horas ele pretendia ficar na festa.

O primeiro sinal de alerta acendeu quando o Raul estacionou o automóvel num edifício muito chique. Foi então que apareceu um manobrista, que eu logo confundi com um destes guardadores de carros que infernizam nossas vidas. Fiquei pasma quando o Raul, muito naturalmente entregou a chave para o homem, pegou meu braço e foi me levando para a entrada do prédio elegantérrimo.

- Raul… o que é isto? Para onde você está me levando?

- Ué… para a festa que eu havia lhe falado.

- Mas aqui? – eu estava entrando em pânico – Aqui, Raul? Aqui?!

O espelho do elevador mostrou meu rosto apavorado, meu cabelo amassado e a camiseta ligeiramente úmida nas costas. Pior eram o jeans e a camiseta. Que vexame. Uma camiseta que mal tapava o piercing com o símbolo da Playboy. Eu queria matar o Raul. Ele tinha me dito que era uma simples confraternização. E agora eu estava num grande salão, com mulheres de vestidos brilhantes, com strass, jóias verdadeiras ao invés das minhas bijuterias baratas. Maldito Raul. Com o rosto em fogo, desfilei aquele meu traje entre os colegas dele, ignorando os comentários das outras, percebendo os olhares dos homens para o meu piercing mal tapado. Fiquei escondida atrás do Raul durante todo o tempo e, para minha surpresa, o desgraçado era um dos mais bem enturmados. Sem falar no maldito fotógrafo que tentava a todo custo tirar uma foto minha não sei para quê.

Quando ele finalmente decidiu cair fora daquele lugar, eu fui a primeira a sair quase voando daquela roda da high society que eu havia sido enrustida sem querer. Voltei muda para casa, saí do carro batendo a porta e entrei no meu edifício simples sem olhar mais para a cara do Raul. Ele que fosse procurar a sua turma que, felizmente, não era a mesma que a minha. Bem que o Raul tentou falar comigo durante todo o outro dia, mas eu me recusei a atender o celular. Nunca fiquei tão possuída com alguém na minha vida e nunca quis tanto o fígado de alguém. Dois dias depois da festa, acordei com um telefonema da minha mãe me dizendo que eu estava na página da coluna social do jornal. Quase enlouqueci. Comprei o jornal correndo e lá estava eu. O maldito fotógrafo conseguira uma foto minha, com meus jeans e camiseta e a colunista afirmando que eu havia sido uma das mais charmosas da festa pelo meu traje descolado. Grande Raul!
 
 
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