TRAJE COMPLETO
Paula Cury
 
 

Treze horas e vinte e sete minutos, mostrava o pequeno relógio cor de chumbo meio arredondado, lembrando despertadores antigos.

Faltava menos de meia hora e ele ainda não estava pronto. Precisava ainda que lhe calçassem os sapatos e dessem uma boa arrumada na gravata borboleta que estava com o nó torto. Nada o enfurecia tanto como estar com o nó da gravata torto e a esposa sabia muito bem. Era ela quem sempre emoldurava o nó perfeitamente no centro do colarinho, impecavelmente simétrico. E onde, raios, estaria sua mulher agora? Um outro qualquer deveria arrumar-lhe o nó da gravata e provavelmente ficaria torto e seria o suficiente para estragar o festejo.

O fraque era novo, recém comprado e a lapela brilhava com o toque da luz.

Nem sempre gostou de reuniões e festas com um bando de gente enfadonha, sem muita conversa inteligente. Sempre que podia arranjava uma desculpa qualquer para não ir. Era preferível assistir algum documentário na televisão ou mesmo reler o jornal do dia. Qualquer coisa era mais interessante do que aquelas certas reuniões, porém hoje ele seria o homenageado e não teria como escapar.

O festejo prometia a presença de centenas e centenas de convidados, afinal ele era um rico empresário com contratos nacionais e internacionais. Enfim era um homem importante e muitos viriam apenas para bajular sua riqueza ou elogiar qualquer coisa sem muita importância apenas para se fazer presente no meio de tantas e tantas outras pessoas.

Menos de dez minutos e vieram calçá-lo.

Um velho, de mãos trêmulas - talvez ocasionado pela emoção de estar tão perto de uma celebridade - dava os últimos retoques. O nó da gravata continuava torto, completamente torto. Onde se meteu minha mulher? Pensava o homem já muito fulo da vida, quando os primeiros acordes da mini orquestra contratada iniciou uma melodia melancólica.

O cheiro adocicado das flores incomodava quase tanto quanto o nó da gravata, mas já estava na hora e era preciso manter a classe.

As portas abriram e iniciou-se uma valsa silenciosa de convidados a entrar e a rodear o anfitrião.

A mulher chegou entre os convidados, usava um belíssimo vestido preto de linho, muito simples, mas muito caro. Ostentava um chapéu também preto com um fio de véu por sobre a aba. Estava realmente emocionada, tanto que de quando em quando enxugava os olhos com um delicadíssimo lenço de renda que destoava em meio às luvas negras.

O homem estava tranqüilo, tudo ia a contento, mesmo tendo o nó da gravata torto, que parecia ninguém ainda havia notado quando um padre, saído sabe-se lá de onde, adentrou ao local pedindo que a orquestra parasse de tocar.

O silêncio se fez e apenas a voz do padre fazia ressonância no ar: Meus irmãos: estamos aqui para, juntos, encomendarmos a alma deste homem que tanto bem fez aos seus...

A cerimônia seguiu em carro aberto. Por sobre o caixão, a cartola avisava: o traje, agora, está completo.