CARTAS NA MESA
Pedro Brasil Junior
 
 

Com o baralho nas mãos, fiquei passando o tempo sobre o tampo da mesa. Damas e Valetes tiveram encontros rápidos enquanto Reis e Rainhas deliberavam suas ordens à corte de naipes.

Lembrei do castelo e de todos os segredos incrustados em seus imensos corredores.

Verdade que o silêncio foi quebrado pela arrastar das correntes puxadas pelos fantasmas fanfarrões.

Mas continuei ali, sobrepondo as cartas com todo cuidado até que uma forma ocupasse o espaço.

Instantes de uma terapia solitária e imaginária, enquanto lá fora, apenas o ladrar dos cães se incumbia de quebrar o silêncio.

As vezes o tic-tac do relógio se fazia presente entre altos e baixos e a dança das horas carregava os personagens do baralho pelo imenso salão da existência.

Imagens da minha vida iam passando num desses inexplicáveis telões que a gente consegue criar sem usar nenhum tipo de tecnologia.

E lá, num daqueles videoteipes da vida, apareceu tua imagem como da primeira vez que te vi na penumbra da noite passando sob a luz de um poste. Depois, nossas primeiras palavras sem jeito até aquele café na mesa rústica que ocupava minha sala.

A fita da vida me deixou rever umas fotografias tuas, anteriores ao nosso encontro e que bem lembro, mexeram muito com minha paixão.

Agora, meu castelo de cartas quase despencou...

Estou rindo à toa, claro; preciso respirar com menos intensidade!

E as imagens seguem em minha tela, com teu sorriso maroto enquanto desabotoava a blusa. E aos poucos, tuas vestes foram ficando pelo chão enquanto você se deixava trajar a rigor, provocando minhas emoções num fabuloso jogo de amor.

Depois que vestíamos a própria pele, me transformei num hábil escultor e fui sentindo com minhas mãos toda a maciez da tua pele até te tocar no ponto mágico. Depois disso, só lembro da entrega e de nossos corpos relaxados lado a lado. E foram tantas as vezes em que isso aconteceu que o mundo lá fora nem existia. Todas as razões estavam em nós, em nossas vestes naturais e em nossa deliciosa busca pelo prazer.

Mas o mundo lá fora não parou jamais e tantas coisas aconteceram que repentinamente tivemos que mudar a rotina, as falas, as atitudes todas.

Agora estou aqui, arquitetando este castelo de cartas num jogo sem nexo, onde os naipes misturam-se feito multidão, damas e valetes encontram-se esporadicamente e reis e rainhas, por certo, estão em seus aposentos preparando novas apostas.

Meu castelo despenca! Minha tela apaga! A noite fica densa, os cães silenciam e o relógio me ordena o sono.

Reuno as cartas para um maço e fico feito cartomante embaralhando e pensando no futuro.

Me deixo levar ao mundo dos sonhos nos trajes de minha alma, indumentária misteriosa, ora com turbante, ora de chapéu e noutras vezes coberto de plumagens em um par de asas que me levam onde quero, onde desejo.

Irei sim, nesta noite, visitar os teus sonhos e quem sabe, possa ter a chance, uma vez mais, de vislumbrar tuas vestes naturais, tocar a suavidade de tua pele e se permitido for, vislumbrar as cores e a amplitude da tua alma.