ANIMAL
Angela Viana
 
 

Era uma noite fria, dessas em que é necessário se ter muita coragem para sair de casa, Karina teve prova naquele dia, por isso não pôde faltar na aula, voltava para casa apressadamente, eram por volta das onze horas. Quando estava virando a esquina da sua rua, um gemido chamou sua atenção, achou que fosse um gato e continuou o seu caminho.

Chegando em casa, após tomar uma sopa quente foi dormir, mas não conseguiu e sem saber o porquê, lembrou-se do gemido que ouviu e decidiu chamar o pai para juntos ver o que havia, mesmo que fosse um gato, era uma judiação deixar o bichano naquele frio, ele poderia morrer e isso a deixava penalizada. A princípio o pai não quis ir, tinha trabalhado o dia todo e não estava a fim de recolher nenhum animal perdido, mas a mãe também começou a insistir e ele teve que ceder, pois não suportava quando as duas ficavam falando no seu ouvido.

Saíram enrolados em cobertores e quando chegaram na esquina, o pai começou a reclamar porque não tinha gemido nenhum e tanto reclamou que a filha convenceu-se de que talvez tivesse escutado demais. Porém quando já iam voltando, deu para ouvir bem nitidamente um grito agudo e prolongado.

Karina ficou com medo de se aproximar, mas o pai não exitou em ir na direção do grito, que logo foi se transformando em um choro, mas não era um choro de bebê, ou de gato, ou cachorro, ou qualquer coisa parecida, aquilo não parecia com nada do que conheciam, era um som bastante incomum.

O pai viu primeiro e ficou sem ação, Karina achou estranha aquela atitude dele e por mais que estivesse com medo, decidiu que o melhor era se aproximar e ver com seus próprios olhos do que se tratava. Sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo todo diante daquilo. Era um ser estranho, diferente de tudo o que pai e filha já tinham visto, tinha os olhos alaranjados, o corpo coberto de pêlos de uma cor indefinida, algo entre o verde e o azul e embora parecesse humano, pois estava de pé e seus traços eram semelhantes aos nossos, não se tratava exatamente de uma pessoa, parou de gritar assim que os viu e ficou olhando para os dois com cara de espanto:

- Quem é você? - perguntou o pai, assombrado.

A coisa não se mexeu, continuou a olhá-los da mesma maneira, mas logo perceberam que ele era inofensivo:

- Pobrezinho, pai. Ele deve estar morrendo de frio, vamos deixá-lo dormir na garagem, só por hoje. - pediu a filha, que começou a simpatizar com aquela criatura.

- Mas, minha filha. A gente nem sabe o que é isso. Confesso que nunca vi nada parecido em toda a minha vida e além do mais a sua mãe tem problema no coração e você sabe que ela não pode se assustar. Imagine se ela ver uma coisa dessas, é capaz de cair dura na hora, eu que não tenho nenhum problema de saúde, quase morri quando vi esse troço.

- Não fale assim dele pai, coitado!

- E você acha que ele entende o que a gente fala?

- Ele deve ser algum animal que ainda não foi descoberto pelo homem, pai. Já pensou se amanhã a gente chamar a imprensa e mostrarmos ele para o mundo? Vamos ficar muito famosos, talvez até ricos e além do mais, se a gente esconder ele direitinho, a mãe não vai ver ele antes que a gente prepare o coração dela...

Com essas palavras, Karina conseguiu convencer o pai a levar a criatura para a garagem, ela o puxou pela mão e ele a acompanhou docilmente:

- Por enquanto vamos chamá-lo de Animal - disse o pai, dando seu cobertor à criatura.

A filha trouxe um prato de sopa, que conseguiu tirar da cozinha sem que a mãe percebesse, porque esta estava dormindo profundamente. Animal comeu com voracidade e depois enrolou-se no cobertor e adormeceu profundamente:

- Até que ele é bonitinho. - comentou Karina.

- Nunca vi bicho mais feio. - disse o pai, fazendo careta - Vamos dormir que amanhã a gente tem que acordar antes da sua mãe para que não haja o risco dela ver ele antes da gente explicar as coisas direito.

Foram dormir e no dia seguinte acordaram ao mesmo tempo e foram juntos até a garagem, a mãe estranhou aquilo:

- Caíram da cama, é? - perguntou ela, desconfiada.

- Querida, durma mais um pouco que eu e a Karina vamos até a garagem pegar uma coisa e já voltamos.

- Que coisa?

- Uma coisa que ficou no carro, é coisa da faculdade dela. É meio pesado, por isso eu tenho que ajudá-la.

- O que estava gemendo ontem na esquina. Estava com tanto sono, que nem esperei para ver do que se tratava.

- Não era nada, a sua filha anda estudando demais, tá até escutando coisa que não existe...

Qual não foi a decepção de pai e filha quando viram que Animal tinha desaparecido da garagem, Karina chegou a chorar de tristeza e o pai lamentou pelo cobertor que o malandro levou, era um dos melhores. Jamais contaram à mãe ou a qualquer outra pessoa sobre aquela estranha criatura e com o tempo o pai achou que aquela visão tinha tido algo a ver com a garrafa de vinho que ele tinha bebido após o jantar. Quanto à Karina, achou que aquilo era fruto de muito estudo e decidiu ir viajar para desestressar. O que nenhum dos dois conseguiu explicar até hoje, é aonde foi parar um dos melhores cobertores que havia em casa, mas isso só aborreceu a mãe.