ADEUS REALIDADE
Eduardo Prearo
 
 

"Vou-me embora deste lugar porque muito me incomoda esta gente anódina". Dito isso, Alexander foi embora da festa, ou melhor, saiu sapateando. Mas o anódino era ele mesmo; ele tinha que crer nisso por uns instantes para se perdoar. Andou por algumas ruas se sentindo um lixo. Fumou debaixo de um orelhão fingindo ligar para um amigo. O dia fora maçante e Alexander acreditava que possuia uma aparência negativamente inesquecível. Queria era ser lindo, cortejado por homens e por mulheres, cantado, mas também para quê? Já era tarde para ser qualquer coisa para lá de boa.

(Estou sendo perseguido e isso é risível, mas não para mim. Não entendo ainda o porquê e nesses anos todos tenho tentado esquecer que sou perseguido.por pessoas que desconheço. Há um sentido nisso. Talvez me persigam porque me amem. A maioria não odeia; do contrário, o que teria adiantado a vinda de Cristo? Eu é que sou um louco, um doente. Há santos perseguindo pecadores e é só. Saí da festa porque me senti mal defronte do espelho do toalete, e não foi por culpa da iluminação nem da placa que dizia ser proibido fumar. O racional deles parece ser mais contundente, mais adulto, sem dúvida. Talvez utilizem a intuição para racionalizar).

Já era tarde para ser de novo apaixonante ou ser realmente apaixonante. A realidade precisava de Alexander e negava-lhe a clausura, a vida solitária em um castelo europeu, a consciência de um talento excepcional, o ser Ícaro.

(Não eram gordos os olhos que me olhavam, mas um pouco estranho a forma como me encaravam. Não estou mais conseguindo achar que sou claro. Mas me perseguem mais do que a um vilão da novela da oito; gente desconhecida, sim, que nunca vi mais gorda. Chega! Não consigo mais ver o belo me vendo de fora, mas o ridículo, o desengonçado, o afeminado. Meu daguerreótipo, se feito pelo melhor pintor, amedrontar-me-ia. Depende também da roupa.é, da roupa).

Anjos e pássaros cantavam, o sol não raiava. Alexander levantou-se e viu-se engelhado, com mais de cem anos. Rugas profundas, cerúmen. A população desconhecida não era finória, era mesmo ingênua, que maldade! Mas julgar as pessoas pelo voto ou pela cara delas talvez não fosse tão errôneo assim. Vigaristas votavam em vigaristas, tiranos em tiranos e bibas em bibas. Pensou por um momento na festa, que festa era aquela? Jamais se lembraria. Acendeu um cigarro e respirou estranho, gargalhada aspirada pelo nariz, vergastado pelo vício, pela vida ou então pela tristeza. Preconceito de quem tinha preconceito. Talvez viajasse um dia para o cachorro com duas cabeças de homem, pois estava gostando de ouvir Non me lo so spiegare. Nos olhos mais sem-vergonhice do que pura alegria? Sim, não, sim. Afinal, não era um príncipe para ter pura alegria, nem descendia da família real. Mas se tivesse um brasão, o animal estampado seria uma onça pintada, alguma coisa em extinção, ou um algo medonho como o monstro do lago Ness.

(Descobri que sou uma obra de arte contemporânea, pois quase sempre provoco estranhamento. A escol não toma skol, mas chandon, pelo menos nas festas).

Manhã fria, Alexander fria, fica fria. A destração era um caso sério. Alexander ficava chocado ao constatar no quanto muita gente cria em outras encarnações.

(Finjo que acredito e que sei das minhas outras vidas. Digo a eles {e a elas} que fui uma puta na Idade Média, e na época dos gregos, o amigo íntimo de Sócrates, aquele que lhe deu a cicuta).

E na manhã fria, Alexander abriu a janela e se atirou, porém voou. A realidade não precisava mais dele.