ANIMAIS
Juraci de Oliveira Chaves
 
 

Todas as tardes preparo-me para fazer a minha caminhada. É quase um ritual. Hoje, algo me impede de sair. O vento. Tinha que ser o vento. Para complicar, ele anuncia que a natureza vai derramar suas lágrimas e parece-me com uma certa agressividade. Olho para o céu e vejo as nuvens em viagem acelerada. Umas trombam nas outros provocando ligeiras serpentes em formas de relâmpagos, acompanhadas de trovões ensurdecedores. Busco o horizonte. Minha visão não o alcança. Uma cortina enevoada cobre as montanhas lá longe. Vou assim mesmo, dará tempo de fazer o meu trajeto. Fecho as portas, certifico-me de que os aparelhos eletrônicos estão desligados e desço a escada, pulando degraus. Acelero o passo, quase galope. Vez em quando outra corridinha. Paro, não dou mais conta de correr. O coração acelerado reclama cansaço. Estaria encerrando a jornada antes da hora? Assusto-me e aparece a dúvida: por que o médico receitou a caminhada diária? Nesta minha angústia recebo uma ducha de água fria na cabeça. A seguir, pedras de gelo em tamanho não comum, caem com força. Granizo assim, nunca visto. Não resisto a dor física e procuro um abrigo. Alguns animais também procuram em debandada, proteção.

Uma construção abandonada e sem cobertura é o que vejo ao alcance. Entro, encosto num canto, procuro proteger-me. O corpo totalmente ensopado, trêmulo de frio. A chuva aumenta ainda mais. Trovões amiúde e o medo apodera-se de mim. Com a respiração ofegante, revejo as paredes caladas, espiando-me também assustadas. Pressinto o mal a me perseguir. Dói, mas não ligo. A cidade estranha e fria, cinzenta e vazia. Ninguém a caminhar. Nem eu. Se fosse sensata, não teria me arriscado neste inverno, incerto. Sinto o frio amortecendo a minha carne. Um outro risco na noite que se inicia, leva a luz do poste em frente e também dos outros. Escuridão não só na rua, mas em parte de mim. O vento aumenta seu tom e ouço assobios estranhos misturados com vozes embargadas. Observo, tento esconder mais no meu encolhimento. Tremo em frente o negrume da paisagem que me desnutre até os ossos. Faço o possível para não pensar e aumentar o meu pavor. Um Carro pára com faróis apagados. Um entra-e-sai com objetos valiosos. Produtos de um roubo com facilidade, percebo. O meu espanto aumenta. Alguém fora roubado. Eu sei onde se encontra o roubo. Calo-me? Não posso. Mas como sair dali? Caso fosse descoberta seria o meu fim. Espero, procurando não perder a capacidade sensitiva.

Alívio. Eles saem para nova façanha, aproveitando-se do negrume da noite. Arrisco-me deixar o abrigo. Consigo. Faço uma ligação pelo celular. Demora atender ou sou eu que preciso de urgência. Informo onde estão objetos roubados, sem me envolver. Não quero testemunhar nada; só desejo voltar para casa.

Pouco tempo depois, a polícia chega junto comigo, em minha residência, chamando-me para assinar a ocorrência. Susto enorme. Fizeram um limpo em casa, enquanto eu caminhava.

ANIMAIS!

 
 
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