SE
Nicole Koll
 
 

Se eu não fosse gente, bem que eu queria ser cachorro. O cachorro preto do vizinho. Ficar deitada na grama, todo dia, ao Sol e ao vento. Acordar quando quero, dormir quando quero, defecar (termo políticamente correto para...) quando e aonde quero. Se ficasse entendiada, iria perseguir uns pássaros ou então me divertir com alguma perna qualquer. Claro, teria o inconveniente de crianças me puxando orelhas e rabo nos fins de semana, mas mesmo isso seria bom. Seria bom para me lembrar a sorte e a gratidão em ser cachorro, e ter filhotes que não gritam. O cachorro preto do vizinho parece respirar tão gostoso e leve. É e simplesmente se basta nisso. Ser bem bastante natureza e ninguém nem se virar pra isso. Que experiência divina deve ser suar pela língua, já imaginou? Ou então estar pelado sem estar. Na verdade, a gente sempre está pelado. Não é por que usamos roupas que deixamos de ter pele pelada por baixo. Será que cachorros se apaixonam? Uma vez li num e-mail que porcos gozam por meia hora. O que o fucinho tem a ver com a tomada? Nada. Só lembrei disso, deixa pra lá. É que é meia hora! Consegue imaginar? Eu não consigo. Mesmo assim, quero ser o cachorro preto do vizinho. Mas é o preto, não o outro. O outro tá meio que morrendo, coitado.